Estarreja lançou um curso para ajudar a preservar o saber que permite construir moliceiros e outras embarcações típicas que navegam na ria de Aveiro. No concelho apenas existem três mestres e há receio de que o conhecimento se perca.
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O mestre Arménio Pereira de Almeida, 64 anos, ensina 12 pessoas a construírem uma bateira, uma das embarcações típicas da região. Os formandos vão “fazer o fundo, pôr cavernas” e construir o barco de sete metros, a partir de um projeto que ele tem “na cabeça e no pau de pontos”, explica numa das aulas ao JN. Foi aprendendo o ofício em criança, com um tio, com quem ia trabalhar depois da escola. Quando era jovem, “havia muitas embarcações na ria, como moliceiros, mercantéis, bateiras”, mas depois deixou de se construir e o trabalho só reativou quando nos canais urbanos de Aveiro os barcos típicos começaram a transportar turistas, recorda. O curso, que inclui aulas teóricas e práticas, é frequentado por “alunos imbuídos com o bichinho da náutica, têm curiosidade ou estão ligados à construção naval”, diz João Vilarinho, um dos formadores.
Interesse de outras regiões
Paulo Nunes, 42 anos, de Pardilhó, Estarreja, considera que é importante “aprender o conhecimento dos antepassados” para “salvar o nosso património cultural, que se está a perder”. E tem ideias para aproveitar este saber na sua empresa, ligada ao turismo náutico e observação de vida selvagem.
“Esperamos poder construir barcos típicos, de recreio náutico, desportos de vela” e “trabalhar com a comunidade e com as gerações mais novas, mostrando como se constroem barcos”, explica Paulo Nunes, recordando que os seus avós tinham uma bateira, que usavam para “apanhar moliço na ria”. O curso é o “primeiro degrau para avançar no negócio”.
Nem todos os alunos são da região. É o caso de Daniel Mudrák, arquiteto eslovaco a residir no Porto. Já investigava sobre construção naval e quis aproveitar para “experimentar fazer”. “É interessante serem embarcações tradicionais, muito adaptadas a esta ria, podemos ver como o design do objeto se apropria à localização ou utilidade que tem de cumprir. Ainda não sei como vou usar este conhecimento, mas acredito que será útil na minha profissão”.
Na região já houve “dezenas e dezenas de construtores”, mas o número tem vindo a decair e, em Estarreja, apenas restam “três e de idade avançada”, pelo que a preservação do saber é urgente, explica o presidente da Câmara, Diamantino Sabina.
Segundo o autarca, o curso “já despertou interesse noutras regiões do país onde há construção naval típica antiga, nomeadamente no Tejo, onde querem fazer cursos deste género porque correm o mesmo risco de ficar sem construtores navais”.
400 horas de formação tem o curso. As aulas decorrem em horário pós-laboral, no Centro de Construção Naval, em Pardilhó.
Património
O barco moliceiro e a arte da carpintaria naval de Aveiro foram inscritos no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. A região formalizou candidatura na UNESCO.
Gratuito
O curso, gratuito, é promovido pelo município, FOR-MAR e Centro Qualifica de Estarreja.