Foi com uma salva de palmas que foram recebidas, em Paredes, as três carrinhas que no sábado passado partiram em direção a Varsóvia, na Polónia, para trazer para Portugal 21 mulheres, jovens e crianças ucranianas. Depois de quatro dias de viagem, o grupo, acompanhado por seis voluntários, chegou na manhã desta quarta-feira, com esperança em dias melhores.
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A ansiedade da espera era muita. As lágrimas caíam pelos rostos dos que esperavam para dar um abraço aos seus entes queridos, que se viram obrigados a fugir de uma guerra indesejada e que, graças à boa vontade de um grupo de seis voluntários de Paredes e Penafiel, chegaram agora sãos e salvos a Portugal.
"Agradeço imenso o trabalho que este grupo fez. Foram dias de muita ansiedade e este grupo foi fantástico, ajudaram em tudo o que eles tinham dificuldade", disse emocionada Zoya Melnyk, uma ucraniana que vive em São Tomé de Negrelos, Santo Tirso, há 22 anos, e que agora pode abraçar a prima Anastasia, a mãe e a filha bebé. "O pai ficou. Mas vamos esperar que isto acabe rápido e que eles, os homens, possam também vir juntar-se a elas", acrescentou, de voz embargada e sem conseguir falar mais aos jornalistas. "Tenho o meu único irmão na Rússia, por isso é muito difícil".
Anastasia chega "feliz" e "cheia de esperança", depois de dias de muita aflição a fugir da guerra, acolhida por um português na Polónia, até à chegada do transporte que a iria trazer para Portugal. Mas traz também a tristeza pelos que ficaram para trás e pela destruição que está a assolar o seu país.
Depois de dias de muita aflição, assim como Zoya Melnyk, outras famílias receberam os seus, graças a esta iniciativa conjunta do município de Paredes, da Associação de Pais do Agrupamento de Escolas Joaquim Araújo, de Penafiel, a Hexágono - Associação dos Antigos Alunos da Escola Secundária de Paredes e a Associação de Estudantes da Escola Secundária de Paredes, que contou com o apoio de vários parceiros locais e do Grupo JAP, que disponibilizou três viaturas de nove lugares para trazer os 21 refugiados.
Mas se uns tinham caras conhecidas à espera, outros foram recebidos por desconhecidos, que esperam dar-lhe uma nova esperança na vida. Foi o caso de Ina e Kseniia Prokopenko, mãe e filha, que vão ficar numa família de acolhimento em Cascais.
Esta decisão de acolher refugiados ucranianos foi, segundo Filipa Vicente, a matriarca da família de acolhimento, "um pequeno impulso de desespero, de estar a ver televisão e não conseguir fazer nada". Lançado o desafio, "toda a família aceitou" e recebem agora uma jovem mãe ucraniana e a sua filha de 12 anos.
A comunicação tem sido o mais difícil, mas nada que não se ultrapasse. "Até agora fomos conseguindo comunicar com elas e mostrar o essencial, a casa, o quarto. Mandámos fotos durante a viagem, do que estávamos a fazer, da preparação do quarto, e percebemos que era um conforto do lado delas, porque foram retribuindo", explicou, sem saber como será o futuro das novas residentes da sua casa, a quem promete facilitar a vida. "Colamos post-its pela casa toda com o nome das coisas em português e ucraniano e inglês, para facilitar a comunicação".
No meio das pessoas que se reuniram frente à Câmara Municipal de Paredes para receber o grupo de refugiados, estava também Olena Nyarkovska, que vive em Paredes há 15 anos. Era suposto estar lá à espera da irmã e do sobrinho, mas, graças à bondade de uma família polaca, os dois chegaram um dia antes a Portugal, de avião. Mas nem por isso deixaram de ir receber os seus conterrâneos, com que era suposto terem partilhado a viagem. "Percebemos que não é fácil estar na Ucrânia nesta situação. Estava muito preocupada com eles", desabafou Olena Nyarkovska. Já com a irmã do seu lado, a felicidade ainda é só pela metade. "Tenho-a aqui comigo, mas existem outros familiares que lá ficaram", confessou.
As duas irmãs já não se viam há cinco anos e o plano era para que se encontrassem este verão, quando Olena Nyarkovska se deslocasse à Ucrânia para ir de férias. Quis o destino que o reencontro acontecesse mais cedo e, face às circunstâncias, com uma alegria ainda maior "Fiquei muito contente em ver a minha irmã, de estar aqui com ela e estar mais protegida. Agora vou tratar dela", referiu Olena Nyarkovska, apelando a que se feche o céu da Ucrânia para que terminem os bombardeamentos.
"Ele [Vladimir Putin] não pára. Quer criar novamente a União Soviética. Eu estou a chamar a atenção da Europa toda que a Ucrânia precisa fechar o céu para poderem combater na terra. Eles vão destruir a Ucrânia toda, o povo e o país. O Putin não quer que a Ucrânia exista", concluiu, emocionada.
Foi uma migalha, uma gotinha de esperança
Raul Ribeiro foi um dos seis voluntários que, no sábado passado, partiu em direção à Polónia para esta jornada humanitária de quatro dias. Chega a Paredes com a vontade de regressar. "Havia muita gente a querer vir, mas não podíamos trazê-los", contou.
A experiência foi "muito gratificante", mas também desgastante, do ponto de vista físico, mas principalmente, do ponto de vista emocional. "Quando vimos aqui as famílias a vir buscar os seus, foi das coisas mais deliciosas que pôde acontecer. Percebemos que estas crianças, que vinham com alguma insegurança, estão agora em segurança. Foi maravilhoso quando se aperceberam que estava aqui a família", declarou.
Da jornada, guarda memórias difíceis. "Nunca vi tanta gente junta. Milhares de autocarros lá, a ajuda é brutal. É indescritível e doloroso. Há muita gente a querer sair, mas não vão conseguir sair todos", lamentou, contente "pela migalha, pela gotinha de esperança" que conseguiram dar aos 21 refugiados que os acompanharam nesta viagem e que agora vão ter uma nova vida, longe da guerra.