Vila do Conde arrancou na quarta-feira com a operação. No Norte há quase 25 mil pessoas que não conseguem sair de casa para vacinar.
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14.44. "Mala de emergência? Está aqui. Bala de oxigénio? Já está no carro. Vacinas? Sim". "Está tudo", confirma Maria José Campos, entrando na carrinha e dando a Paulo Araújo ordem para avançar. A primeira paragem é na rua do Norte, em Mindelo, Vila do Conde. A viagem acabaria quase quatro horas depois. Seis vacinas. Nenhuma reação adversa. É um trabalho lento, de "formiguinha", mas a equipa da Unidade de Saúde Familiar (USF) de Santa Clara vai sempre com o sorriso de quem leva esperança. É mais uma batalha na guerra contra a covid-19. A lança vai na ponta de cada agulha.
Só no Agrupamento de Centro de Saúde (ACES) Póvoa de Varzim/Vila do Conde há 380 idosos acamados para vacinar. Nos 86 concelhos da Administração Regional de Saúde do Norte (ARS/Norte) são 24896, entre os 3,7 milhões de habitantes, os que serão vacinados em casa.
Na rua do Norte, à porta de casa, Lurdes recebe a equipa com um sorriso. "É um alívio para quem cuida", atira. A médica Maria José segue à frente. As enfermeiras Helga Martins e Inês Norte logo atrás. Paulo fica no carro, apostos para arrancar.
Alina não sai da cama há cinco anos. A mulher de 82 anos não tira os olhos de Helga. Vê a enfermeira tirar, com todo o cuidado, a vacina da caixinha de asas azuis, enquanto Inês vai fazendo o questionário. "Tem tosse, falta de ar? Alergias? Toma anticuagulantes? Já teve covid-19?". Agulha espetada, a mulher faz uma careta. A enfermeira faz-lhe um miminho: "Já passou D. Alina".
Agora, são 30 minutos a vigiar. Maria José aproveita para uma consulta. Ausculta, mede tensões, quer saber como tem passado. Deixa as recomendações: "Gelo se doer ou ficar vermelho, ben-u-ron se tiver um bocadinho de febre, ligar se for algo mais grave. Mas o mais certo é não dar nada".
Tempo contado
15.28. A equipa avança. O tempo é contado. As vacinas são previamente preparadas: dose e soro na seringa. Depois, têm seis horas de duração e há que contar com uma qualquer reação adversa. É por isso, explica Maria José, que na carrinha seguem oxigénio, mala de emergência e máscara de alto débito. Por agora, "a vacina da Pfizer é a única que, depois de preparada, pode ser transportada". Mesmo assim, vão dentro de uma arca frigorífica, cada vacina sua caixinha. A seringa num saquinho plástico, envolto em papel, preso com agulhas, "para evitar agitações na viagem". "Cada dose é preciosa!", diz Helga, consciente da responsabilidade.
Três quilómetros à frente, outra casa, o mesmo ritual. Paulo estaciona, a equipa salta, tira malas, abre a arca, retira a caixinha. Avança. Volta 30 minutos depois.
"Não é a AstraZeneca, pois não?", pergunta António Ferreira, à chegada da equipa. A filha já esteva infetada. Teme pela mãe. Maria Helena Ferreira, tem 91 anos e uma falta de ar que a obriga a oxigénio quase 24 horas por dia. "Nãaao", diz Maria José Campos. A suspensão da vacina anglo-sueca trouxe medos acrescidos que preocupam, agora, quem tem a cargo a vacinação. Há três meses que na cabeça de Maria José há horas, validades, dias de entrega, doentes a vacinar e muitas contas.
"Tudo o que não se queria era estas incertezas", desabafa. É mais um "contra-tempo" numa guerra que já vai longa.
"Um dia de cada vez", diz, de volta ao quarto, a Helena e ao trabalho. A "piquinha" não doeu nada. A médica aproveita para ver as meinhas que a idosa, de 91 anos, faz em lãs coloridas. "Aí que fofinhas!", diz. "Eu não sei ler, doutora. O meu pai achava que só os rapazes é que deviam ir à escola. Este é o meu entretimento", atira. Dois dedos de conversa e os 30 minutos passam a voar. Despede-se com um "até breve".
Na casa de Maria do Vale, Albertina respira de alívio: "O meu filho vai trabalhar, a gente sai... Estamos sempre com medo por ela". A vacina é "ouro sobre azul". O corpo magrinho e os 95 anos de Maria não iam aguentar.
"Agora já fica protegida", diz Liliana, olhando carinhosamente a mãe. Armanda teve um derrame cerebral há oito anos. Acamou. "Dá muito trabalho, mas ela merece. Foi uma rica sogra!", sublinha Carlos Silva. No quarto cuidadosamente arrumado, com o rádio ligado, Armanda dormita. A picada acorda-a, mas por pouco tempo. A vacina sossega o coração de quem cuida, que vive com medo de contagiar quem está acamado. Para a equipa do ACES é mais uma batalha ganha. E um sinal de que o fim da guerra está mais próximo. Por isso mesmo, às 18.36, 20 quilómetros feitos, seis idosos visitados e finda a ronda, que se espera a primeira de muitas - o ritmo será ditado pela chegada de vacinas -, o momento é registado para a posteridade. "Missão cumprida! Sem incidentes!".