Dezenas de manifestantes deixaram no Porto uma série de reivindicações, na tarde deste sábado. Trabalham muito e ganham muito pouco, não têm horários, nem proteção em caso de acidentes ou doença. Empresas não reconhecem o vínculo laboral.
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São portugueses, mas também imigrantes provenientes de países como o Brasil, o Paquistão, a Índia, o Bangladesh ou a Venezuela. Trabalham como estafetas para as plataformas digitais Uber Eats, Glovo, Bolt e Take Away, entregando comida ao domicílio debaixo de sol ou debaixo de chuva, de dia e de noite, por vezes até 14 horas seguidas. Ganham mal, não têm proteção em caso de acidente ou doença. Em suma, as empresas não reconhecem o vínculo laboral.
Foram estas as queixas que deixaram no Porto, numa manifestação que começou com uma concentração na Praça General Humberto Delgado e depois se transformou num desfile por vários pontos da cidade, com o objetivo de sensibilizar outros estafetas que não se identificaram com o protesto.
A convocatória partiu do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, que, pela voz de Francisco Figueiredo, denunciou as "condições humilhantes" em que trabalham. "São muito escravizados. Para receber o mínimo, trabalham 12 a 14 horas diárias e muitos não têm qualquer dia de descanso semanal", disse o dirigente ao JN.
Referindo que as plataformas digitais "exploram os trabalhadores até ao osso", Francisco Figueiredo lembrou que "há quatro anos que o sindicato vem afirmando que, à luz do Código do Trabalho, devem ser considerados trabalhadores por conta de outrem". Admite que, só na região do Grande Porto, haja entre 2000 e 2500 estafetas ao serviço das referidas plataformas.
Natural do Brasil e a viver em Gondomar desde fevereiro de 2019, Omar Andrade trabalha sobretudo para a Glovo e diz que "as condições gerais de trabalho pioram a cada dia". Referiu ao JN que "o grande problema é a precariedade do vínculo de trabalho", para acrescentar: "As empresas vendem a ideia de que não nos contratam e ficamos nesta relação precária".
Omar considera que entre si e a Glovo há uma relação de subordinação e um vínculo, pois, além de estar inscrito na plataforma, tem de reservar um horário para trabalhar, todos os dias. Por outro lado, está sujeito a uma tabela de pontos, que perde ou ganha consoante o seu desempenho. "Há toda a aparência de patrão, mas nunca admitem isso", lamenta.
Além da questão do vínculo, Omar Andrade pretende uma recomposição dos valores que a Glovo paga ao quilómetro, valor esse que baixou de 0,42 para 0,24 euros, numa altura em que "os combustíveis estão absolutamente caros". Queixa-se, ainda, do facto de a empresa não melhorar a aplicação e de não ter um escritório no Porto nem um contacto telefónico que os estafetas possam usar para resolver problemas.
Na mesma linha foram as queixas deixadas por Manuel Sousa, um dos estafetas mais antigos ao serviço da Uber Eats no Porto. "Não temos ninguém que nos dê um apoio, que nos dê acompanhamento", disse, já depois de Omar ter referido que, na cidade, o escritório dessa plataforma "só atende os TVDE, não os estafetas".
Manuel Sousa, Ismael e outros manifestantes disseram que trabalham muito para "ganhar muito pouco". Em geral, reclamam das empresas um salário de 800 euros, um valor de 80 cêntimos por cada quilómetro contado desde a receção do pedido até à entrega em casa do cliente, um subsídio pelo trabalho noturno, um seguro de acidentes de trabalho e complemento de doença, férias pagas, subsídio de Natal e, entre outros direitos, apoio à aquisição e reparação das motos que usam.
Segundo a deputada do PCP Diana Ferreira, as referidas empresas "têm centenas de milhões de euros de lucros anualmente" como resultado do trabalho destas pessoas. Ao referir que os estafetas trabalham 50, 60 ou até 70 horas por semana, classificou como uma "tremenda injustiça" e uma "forte exploração" a realidade em que vivem.
Ao JN, a deputada referiu que "não há como negar o vínculo" laboral e, por isso, defende que as plataformas cumpram o Código do Trabalho e proporcionem condições em termos de horários, de pagamento de horas extra, de remuneração, de subsídio noturno e proteção em caso de acidentes de trabalho e doença.
Estimando que em Portugal haja "largos milhares de pessoas" a trabalhar como estafetas para estas plataformas, Diana Ferreira lembrou que muitos são imigrantes e, embora não estejam ilegais, na prática "ainda não têm a situação completamente regularizada", por exemplo, junto da Segurança Social ou do Serviço Nacional de Saúde, o que contribui para tornar a situação ainda mais precária.
Referiu, por fim, que o PCP irá apresentar uma iniciativa legislativa neste âmbito. Esta é uma das matérias em que se espera uma decisão do Governo na legislatura que agora começa.