Adelina precisa de ajuda para reerguer habitação na Lapa devorada por um incêndio. Alegando falta de segurança, vizinhos querem arrestar imóvel.
Corpo do artigo
De mãos dadas com a avó, Isabel suplica a ajuda de todos: "Na guerra [colonial], a minha avó foi salva pela bondade dela, e, agora, era bom que a bondade das pessoas a salvasse". Não contém o desespero e aninha-se em lágrimas no regaço de Adelina, que está sentada entre os escombros deixados pelo inexplicável incêndio que lhes devorou o interior da casa, em pleno Largo da Lapa, no Porto.
15270933
No meio da destruição, diante das paredes graníticas que resistiram às chamas, a cena é dantesca. Adelina Águia, a avó octogenária a quem o fogo levou as forças, só quer que os dias dela findem ali. "Tenho muitas saudades desta casinha e quero voltar para cá", pede a antiga enfermeira.
Com a mãe, Ana Paula Águia, desempregada e sem apoios sociais, Isabel desdobrava-se em três empregos para se refazerem de um assalto, em 2011, em que levaram a casa quase toda - portas, janelas, telhas, instalação elétrica e todo o recheio -, tornando-a inabitável. Até foi criada uma angariação de verbas, no verão de 2020, mas o incêndio, a 11 de março de 2021, tirou-lhe o tapete. A partir daí, a empreitada tornou-se quase uma miragem. Surgiram ainda mais pressões para saírem, com "telefonemas e cartas para vender a casa". E chegaram notificações para fazerem obras, por parte da Câmara, onde pediram ajuda.
O esforço de Isabel, que detém o imóvel desde 2019, passou a focar-se nessas reparações, e a esperança só renasceu com o apoio de uma figura pública - a enfermeira Carmen Garcia -, que divulgou o caso em julho e pediu ajuda em nome da família. Mas bastariam poucas semanas para que o pesadelo de Isabel se adensasse. No arranque de setembro, o correio trazia-lhe o impensável: sem aviso, os vizinhos arrestaram-lhe o edifício. Invocam uma dívida de 23 mil euros por conta de prejuízos e danos que diz nunca ter sido chamada a ver e alegam perigo. A família ficou "encurralada".
"Estão a fazer de nós criminosos, quando a culpa é de sermos pobres e não termos conseguido reverter a situação causada pelo assalto", lastima Isabel, com a notificação do arresto a tremer-lhe nas mãos. No processo, os proprietários de dois apartamentos que estavam arrendados - um em regime de Alojamento Local e outro alugado a uma empresa - no prédio ao lado (onde há um total de oito condóminos) reclamam "um crédito" de mais de 23 mil euros. Pediram para "a providência ser decretada sem prévia audição" de Isabel, sobre quem antecipam que "tudo fará para não honrar" o ressarcimento dos prejuízos que alegam. O Tribunal Judicial do Porto colheu a argumentação e, sem aviso ou negociação, mandou arrestar o imóvel, que tem um valor patrimonial de 112 mil euros. Ou seja, cinco vezes o da alegada dívida.
Agora, além do apoio para reconstruir a casa, a família precisa também de ajuda para pagar a dívida reclamada, antes que seja executada e percam o prédio.
O JN contactou o advogado Paulo Pessanha Moreira, que representa, com as respetivas procurações, os peticionários do arresto - entre eles, o conhecido advogado portuense Miguel Cerqueira Gomes -, mas o causídico disse nada poder adiantar, por o assunto estar sob "sigilo profissional".
A Câmara esclareceu que foi feita uma inspeção ao imóvel antes do fogo, devido à queixa de "um munícipe", e "detetaram-se situações de risco para a segurança de pessoas e da via pública". Dá-se o incêndio, e, agora, a Autarquia tem "em análise" a aplicação de uma coima, entre os 500 e os 100 mil euros, por Isabel não ter feito as obras "para eliminar riscos" a que foi intimada.
Campanha solidária está a decorrer
Sem seguro da casa, todas as despesas de reconstrução recaem sobre a família, que é carenciada. Isabel informou disso a Câmara e os donos do prédio contíguo, a cujas missivas respondeu por escrito, em cartas a que o JN teve acesso, bem como a toda a documentação do processo. Nas respostas, dava conta de que tentava uma solução "em articulação com a Câmara" e que o incêndio estava a ser investigado pela PJ. Segundo a Lusa, o caso foi entregue ao Ministério Público, para apuramento das causas do fogo que deflagrou com a casa sem instalação elétrica e livre de pessoas, o que leva a família de Isabel a suspeitar de fogo posto, à semelhança de outros casos que já ocorreram no Porto, em casas que despertam a cobiça imobiliária.
A vereadora comunista Ilda Figueiredo pediu à Autarquia que "reveja o processo para apoiar a munícipe, que não dispõe de recursos financeiros suficientes para pagar multas e tratar da reabilitação da casa", e a vereadora do BE, Maria Manuel Rola, visitou este mês o imóvel.
Para ajudar a família, há uma campanha solidária em curso nas redes sociais Facebook (Como conheci a Adelina) e Instagram (How i met Adeline). Podem ser feitos donativos para a conta com o NIB 003508290001531093018, em nome de Ana Paula Águia, e através da plataforma GoFundMe, em "The Adeline Movement".