Riba-Mar fechou, neste domingo, as portas e, no último dia, houve filas, casa cheia até ao último minuto e muitas lágrimas
Corpo do artigo
"Já não tenho lágrimas", diz Domingos Araújo, olhando as montras vazias e o corrupio de clientes, que, desde as 7 horas, formavam fila à porta da Riba-Mar. "É uma dor de alma! Os "nossos" barquinhos, os "nossos" poveirinhos", atira uma mulher, acabada de entrar. É mais uma "cliente-amiga" que vem dizer adeus à histórica pastelaria da Póvoa de Varzim. Dá um abraço a Margarida, Ludovina e Filomena - as três irmãs que tocavam o negócio -, olha em volta, mergulhada em memórias do lugar, que testemunhou tantos dos momentos marcantes da sua vida, respira fundo e, de olhos molhados, volta a sair.
"Foi isto o dia todo", continua a contar Domingos, ele que, com 50 anos de "casa", fez questão de estar ao serviço no último dia da Riba-Mar. "Tinha 17 anos. Vínhamos da aldeia, cheios de fome. O sr. Campos era um excelente patrão, quase "pai". Vi crescer as "meninas"", lembra, já com saudades da pastelaria, que era também a sua casa. Entre os clientes, há quem tenha entrado ali pequenito e hoje chegue com filhos e netos. A Riba-Mar foi lugar de namoro, testemunhou casamentos, lanches em família, fez bolos de aniversário e batizado, seguia para cada casa no pão-de-ló da Páscoa, no bolo-rei do Natal e do Ano Novo. Nos doces ou nos salgados, foi sempre "sinónimo de qualidade". "É a vida", remata Domingos, ainda a tentar convencer-se da decisão.
Margarida, Ludovina e Filomena juntaram filhos e netos no adeus à Riba-Mar e, de coração apertadinho, elas que cresceram ali, choraram, recordaram momentos e distribuíram abraços.
"Fizemos quilos e quilos e quilos de húngaras, barquinhos, poveirinhos...De manhã, foi uma loucura! Temos tudo vazio", conta Ludovina, que, ao início da tarde, lamentava já não ter nada para os clientes.
O pai, Francisco Campos, hoje com 92 anos, abriu a Riba-Mar em 1971. Ali, há 52 anos que tudo era feito dentro de portas, com receitas dele, "sem mudar uma vírgula".
O prédio foi vendido e vai entrar em obras. Ao lado, a Casa Mandim, fechou em agosto, depois de 54 anos a vender cassetes e vinis. Na porta a seguir, foi-se a tabacaria. O fecho da Riba-Mar parecia, cada vez mais, predestinado. Das três herdeiras, só Filomena trabalhava na pastelaria a tempo inteiro e, depois de mais de 30 anos ali e sem descendência a querer pegar no negócio, decidiu que estava na altura de descansar.
"Obrigado por tudo! A gente vai continuar a ver-se", diz, abraçando mais uma cliente de décadas. A mulher acena que sim, mas replica: "Pois é, mas e agora quem é que me vai servir um café e um barquinho?"
José Ferreira Lopes, 68 anos
"O meu pai vinha aqui todos os dias tomar uma meia de leite e uma torrada baixinha. Elas já sabiam. Depois, passei a ser eu, a mulher e os filhos. É uma dor, uma tristeza enorme"
Maria das Dores Postiga, 65 anos
"O namoro começou aqui, o casamento saiu daqui. Agora, já vinham a filha e a neta também. É só casas antigas a fechar. A Póvoa está a ficar uma desgraça"