Há um mês que Maria Félix vive "de favor, em casa de uma colega", e veste "roupa emprestada". Ficou ainda sem acesso a outros bens, como documentos e vários objetos, porque, de um dia para o outro, viu-se "escorraçada" pela senhoria da habitação onde residia desde meados de 2017, em Santo Tirso, acabando por ser posta na rua "em pijama".
Corpo do artigo
Tudo aconteceu a 5 de novembro, apesar de, por força da pandemia de covid-19, os despejos estarem suspensos e de, em situação normal, carecerem de uma ação judicial para serem levados a cabo, não devendo ser executados por ação direta. Além disso, Maria, que vivia sozinha e está desempregada e sem retaguarda familiar, assegura, ao JN, que nunca recebeu da senhoria qualquer notificação para deixar o imóvel.
"Não sabia, mas ela tinha as chaves e abriu a porta. Entrou-me em casa e disse: "você está aqui? Rua! E agarrou-me num braço e puxou-me para a rua. A única coisa em que consegui agarrar foi a chave", recorda Maria Félix, que chamou a PSP ao local.
"Contei a situação à Polícia, e a senhoria disse-lhes: "essa senhora não entra mais aqui". E fechou-lhes a porta. A PSP disse que eu tinha de ligar para o 144 [Linha de Emergência Social], e fiquei na rua, em pijama, a tremer com frio", relata a mulher de 56 anos, que acabaria por dirigir-se à esquadra.
Cerca das 22 horas, Maria regressa à habitação, e consegue entrar e pernoitar. "A minha ideia era mudar as fechaduras, mas, às 7 horas, a senhoria entrou outra vez em casa. Andou a mexer nas coisas, e disse-me: "já para a rua! E veio sempre a empurrar-me para fora. Às 7.30 da manhã, a chover, estava eu a chegar outra vez à Polícia, em pijama".
Acompanhada dos agentes, a mulher já pôde, nesse dia, entrar e retirar alguns pertences, mas, sozinha, só conseguiu levar peças de roupa. "A senhoria disse à Polícia que eu vivia ali de favor, mas tenho contrato. Sempre paguei 180 euros de renda, e nunca deixei meses atrasados, até maio. Em junho já não paguei, porque fiquei sem trabalho e não tenho rendimentos nenhuns", lamenta Maria Félix, que pediu ajuda à Segurança Social e à Câmara de Santo Tirso, para que esta lhe atribuísse uma habitação municipal.
"Na situação de exceção que vivemos, é proibido qualquer tipo de despejo, ainda mais uma ação direta, como fez a senhoria. Não se pode fazer justiça pelas próprias mãos, e a ação direta ou o estado de necessidade só se aplicam em situação de risco iminente, o que não era o caso. A senhora foi posta na rua sem os seus bens, e isto não poderia ter acontecido, de todo", sustenta o advogado da inquilina, Hernâni Gomes, que já avançou com uma queixa-crime contra a senhoria e uma providência cautelar para que sejam restituídos os pertences à cliente.
O JN tentou contactar a proprietária do imóvel, mas não obteve resposta.
Processo em tribunal
Na participação-crime, Hernâni Gomes vinca que "a denunciada [senhoria] pela força violou o domicílio da denunciante [Maria Félix], através da violência física". É sublinhada a "conduta abusadora e ilegal da denunciada", a qual se "encontra a ocupar, de forma ilícita, o referido prédio, ofendendo o direito da demandante de habitar o locado". A queixa refere ainda que, além dos bens que ficaram retidos no interior do imóvel - móveis, eletrodomésticos e outros objetos de uso pessoal, como vestuário e calçado -, Maria está também privada de "documentos, o que a impede de frequentar um curso de formação profissional".