
Fronteira fechada deixa lojas da fortaleza de Valença às moscas
Rui Manuel Fonseca / Global Imagens
José e Daniela Dantas conversam de braços cruzados, à porta das suas lojas, lado a lado, na fortaleza de Valença. São pai e filha, e, ao contrário da maioria dos cerca de 300 estabelecimentos naquela zona histórica, optaram por reabrir no dia 19.
Os restantes, três restaurantes incluídos, preferem aguardar pela reabertura da fronteira, eventualmente em maio, porque entendem que sem o cliente espanhol nem vale a pena abrir portas. Há só um café aberto.
"Abri na esperança de fazer algum negócio e porque tenho uma funcionária e o layoff simplificado acabou. A nível central não se pensa na especificidade deste tipo de comércio e temos que tentar tudo para conseguir pagar os impostos, salários e ter alguma coisa", justifica Daniela Dantas, proprietária de uma loja de têxteis-lar ao lado da garrafeira do pai.
Nos dois estabelecimentos, os clientes têm sido raros, apesar do desconfinamento. "Realmente, estando as fronteiras encerradas, como se vê, não há movimento. E o pouco turista nacional que aparece, como a restauração está fechada, acaba por não ficar muito tempo", lamenta, comentando que vê "algumas incongruências" na medida de manter a fronteira com Espanha encerrada.
"Alguns voos podem vir de outros países e nós, que estamos aqui ao lado, não há passagem", assinala, referindo que a situação está a atingir em cheio o coração da fortaleza. "Estamos muito dependentes do turista e da Galiza. Isto já dura há muito tempo e alguns de nós já não terão capacidade de reabrir", refere, comentando: "Das poucas pessoas que vão estando por aqui é o meu pai. Fazemos companhia um ao outro".
Pássaros e pouco mais
Nas ruas históricas de Valença ouvem-se pássaros a chilrear e pouco mais. "Não tenho memória de ver a fortaleza assim. É impensável, depois de tantos anos de comércio, chegar a um tempo destes. A fronteira funciona com os espanhóis. Tem uma vida própria com a proximidade à Galiza", desabafa José Dantas, com loja aberta ao público ali há 30 anos.
"Quanto mais tempo as fronteiras estiverem encerradas, mais problemático vai ser para a fortaleza reaver outros tempos de comércio transfronteiriço, que é o que lhe vale", acrescenta, referindo que teme pelo futuro daquele "sistema de comércio tradicional ao ar livre, dos poucos que há na Europa".
Natália Faria, de 78 anos, que vive há cerca de meio século na zona histórica, também lamenta as ruas desertas. "Valença, enquanto a fronteira não abrir, está vazia. Nunca na minha vida vi isto assim. Sempre houve muita gente e tudo trabalhava. Agora está como se vê. Os espanhóis gostam de vir, de andar às compras e de comer", diz, à porta da sua pequena casa, de olho na gata Estrela e no cão Patinhas, Natália, enquanto espreita com esperança a rua deserta. "Ao abrir a fronteira para o mês que vem, já será um bom caminho para tudo abrir. Depende dos espanhóis. Está tudo à espera. Até eu estou à espera deles", afirma.
Pormenores
Fronteira entupida
O ponto de passagem Valença-Tui tem vivido entupimentos pontuais "com dezenas de quilómetros de filas para entrar em Portugal", segundo o AECT Rio Minho.
Manifestação esta segunda-feira
Um protesto pela reabertura das fronteiras foi convocado através das redes sociais para receber hoje o comboio inaugural da eletrificação da Linha do Minho, onde deverá seguir o primeiro-ministro, António Costa.
