"É uma missão de amor para com o próximo, para o podermos guardar desse diabo que anda aí à solta, o novo coronavírus". A frase, dita ao JN, entre lágrimas de emoção, por Adelaide Moura, resume o espírito que une 32 mulheres, divididas em duas equipas, que têm vivido por períodos de 10 dias no Lar de Santa Águeda, onde trabalham, na vila de Carrazeda de Ansiães.
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Na verdade, não são 32 as que entram ou saem do lar que continua a salvo da covid-19. É menos uma. Rosalina Almeida, 61 anos, já de lá não sai desde 17 de outubro. Porque "não tendo ninguém em casa à espera" e sendo os utentes e as colegas a sua "família", não vê necessidade de se ausentar. A única missão é "dar aos idosos amor, carinho e proteção".
Proteção é do que agora precisa Carlos Borges, 91 anos. Carlitos, como gosta de ser tratado, terá perdido "90% do equilíbrio" desde que começou a pandemia. Da mesma forma que sorri ao dizer que sempre que cai alguém tem de o ajudar a levantar, é uma animação ao recordar a "carta branca" que teve até março, quando saia do lar para longas caminhadas e no regresso parava na "Gracinda" a "beber um cafezinho". E diz "cafezinho" com ar maroto, deixando a interpretação para os outros. "Quando vier a vacina só não vou apanhar uma bebedeira porque não me vão dar vinho, senão..."
Dias de choro e de riso
As funcionárias divertem-se com Carlitos, que não lhes poupa elogios. "Estas meninas fazem um grande sacrifício para aturar as nossas birras e brincadeiras. Não se lhes nota uma arrelia por estarem aqui fechadas connosco". Maria Angelina Prezado, 89 anos, vê nessa dedicação "uma autêntica família muito unida", porque só funcionárias "extraordinárias" é que "deixam os maridos e os filhos em casa para estarem aqui 10 dias seguidos".
"Custa, claro. Temos dias de choro e outros de riso. Às vezes tudo no mesmo", confessa a trabalhadora Eugénia Matos. É durante as videochamadas para a família que vai "um bocadinho abaixo", tal como acontece a Estrela Barrelas quando tenta falar com a filha de 14 anos, que não tem compreendido a função da mãe. "Telefono-lhe e ela quase não fala comigo. Faço-lhe perceber que os idosos precisam de nós, mas não é fácil".
Na cozinha, antes eram oito, agora são quatro de cada vez. A responsável, Maria do Céu Nascimento, admite que "no início não foi fácil deixar a família". Tem "saudades" do filho de cinco anos, que ficou com o pai, minimizadas através de videochamadas e com a certeza de estar a contribuir para o "bem-estar dos idosos".
"Só unidas é que conseguimos", complementa Marlene Ruivo. "Damos muito mimo umas às outras, cantamos e dançamos", realça Rosário Lopes, enquanto Ermelinda Gonçalves faz rabanadas e diz que gosta de satisfazer os utentes com "coisinhas boas".
Da estética ao Sporting
Na sala de estar há sorrisos vaidosos. Marília Pereira, 73 anos, mostra as unhas acabadas de pintar de vermelho e as sobrancelhas compostas. "Põem-nos bonitas", sorri. Nos tempos que correm, são as funcionárias que tratam da estética dos utentes. E também da diversão. Celeste Carvalho tem feito de animadora para "que todos se sintam felizes e percebam menos o que se está a passar lá fora".
Não é o caso de Marília, que lê o JN todos os dias e diz andar "bem informada sobre tudo". Mas para Vasco Trigo, 85 anos, o mais importante, tirando o facto de não poder passear e ir a casa, "é que o Sporting vai em primeiro no campeonato, mesmo depois de já ter passado o Natal".
A terminar, Adelaide Moura volta a dar voz ao grupo: "Estamos ansiosas porque acabe a necessidade de passar aqui 10 dias seguidos, mas se for preciso continuaremos com muito amor e carinho".
Lar fechou-se ao exterior mal surgiu a pandemia
No Lar de Santa Águeda, gerido pela Santa Casa da Misericórdia de Carrazeda de Ansiães, vivem 50 utentes. Em março de 2020, quando surgiu a pandemia em Portugal, os responsáveis decidiram fecharam o lar ao exterior e constituíram duas equipas "casulo" de 16 trabalhadoras cada. Enquanto uma ficava a viver ali 14 dias sem sair à rua, a outra permanecia em casa pelo mesmo período. Depois revezavam-se e a que entrava era testada ao novo coronavírus.
A situação durou até maio, quando a situação epidemiológica desagravou. Foi retomada em outubro, quando a segunda vaga começou a tornar-se preocupante. O período de permanência no lar baixou para dez dias. Para além de alimentar os internos, a cozinha, mesmo reduzida a quatro funcionárias, continua a fornecer refeições para o jardim de infância e para os 100 utentes do apoio domiciliário.