Doutorado em Geografia Física pela Universidade de Coimbra, José Nunes André não tem dúvidas de que as águas termais de Monte Real foram contaminadas com sal, na sequência de perfurações para captar mais água, razão pela qual deixaram de ser utilizadas em tratamentos.
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Contudo, a justificação oficial para o encerramento das termas prende-se com as cheias do rio Lis, em fevereiro de 2014. Desde então, fecharam vários hotéis e restaurantes da pequena vila de Leiria, que vivia, sobretudo, do turismo, com destaque para os anos 70 a 90, quando eram das mais procuradas na Península Ibérica.
"O problema da reabertura das termas de Monte Real não está no facto do rio transbordar. A situação é mais grave e de mais difícil solução", garante ao JN José Nunes André. "Foram feitos vários furos para captação de água, nas imediações da nascente termal, que atravessaram uma jazida de sal-gema, provocando a contaminação do aquífero termal", assegura.
Profundo conhecedor do território, o geógrafo explica que existe uma carta da região onde consta essa jazida, que terá sido ignorada por quem fez as perfurações, tal como a portaria n.º 104/2016, que fixa o perímetro de proteção da água mineral natural de Monte Real e não permite qualquer atividade que possibilite a sua contaminação. "Se os furos foram autorizados, existe um desconhecimento da geologia da zona".
"A contaminação da água da concessão "Monte Real" ocorreu há quase oito anos, em virtude de cheias provocadas pela rutura dos diques do rio Lis, que saltou as margens e atingiu a unidade termal, provocando-lhe avultados prejuízos, quer nos edifícios quer no sistema aquífero", informa a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).
Além das inundações, a DGEG acrescenta que "o maior fator desestabilizador do sistema aquífero de Monte Real foi a estacaria que foi colocada aquando da total reconstrução dos edifícios do estabelecimento termal e do SPA, que colocaram em intercomunicação os dois sistemas aquíferos, o do gesso e o do sal-gema".
Recuperação lenta
Para acelerar a recuperação do aquífero hidromineral, Pedro Paixão, diretor do Monte Real Hotel Termas & Spa, revela que as Termas de Monte Real, em coordenação com a DGEG, têm feito prospeção para a implantação de novas captações, registado os parâmetros de salinidade em diversas captações e neutralizado furos de água salgada.
"A recuperação tem sido lenta, mas consistente, sendo esperado alcançar, a médio prazo, a necessária estabilidade físico-química, que permita a retoma da atividade termal", acredita Pedro Paixão. A DGEG tem acompanhado as intervenções e adianta que, em breve, decorrerá uma reunião com a concessionária, para fazer um balanço dos trabalhos de 2021 e debater perspetivas.
Gonçalo Lopes, presidente da Câmara de Leiria, também atribui o encerramento das Termas de Monte Real à rutura dos diques do rio Lis, em 2014. "Na altura, o rio saltou as margens, atingiu a unidade termal, provocando avultados prejuízos, quer nos edifícios quer no sistema aquífero", afirma. "Estas cheias provocaram a desestabilização do aquífero e a água mineral natural de Monte Real foi descaraterizada pelo aumento significativo dos iões de cloreto de sódio, provenientes do aquífero de sal-gema", afirma o autarca.
Para minimizar o impacto negativo do encerramento das termas, Gonçalo Lopes explica que a Autarquia está a requalificar a vila. E deixa como exemplo a intervenção em curso na Rua de Leiria, um investimento de 700 mil euros. "O Município tem igualmente tido uma atenção especial ao nível da programação cultural, no sentido de tornar este território atrativo".
Indicadores
Terrenos junto às Termas de Monte Real eram conhecidos por Salgadas
Nunes André garante que os campos junto às termas eram conhecidos por Salgadas e a cerca de 1,5 km ficavam as Salinas da Junqueira. Aliás, o JN acompanhou o geógrafo aos locais dos furos e constatou que a água sabia a sal. "Os indicadores físico-químicos da água mineral natural não podem ter sido alterados pelas cheias do Lis, nomeadamente a contaminação com sal", assegura. "A maré apenas se faz sentir até cerca de 5,5 km da foz e o rio na zona das termas transbordou a 10,5 km da foz"