Três instituições do Grande Porto vivem com menos apoios, mas não desistem de fazer a diferença todos os dias, porque as solicitações não param de aumentar.
Corpo do artigo
São três instituições que se dedicam a ajudar e fazem realmente a diferença. Sejam famílias desfavorecidas, idosos solitários, crianças a quem falta o colo ou até animais. A subida generalizada dos preços está a fazer regredir os donativos e aumentar o número de pessoas que procuram apoio, mergulhando as próprias instituições num mar de dificuldades. Quem ajuda precisa de ajuda. Na Misericórdia de Valongo, por exemplo, lembra-se que nunca os alimentos foram tão caros e pesaram tanto nas contas das várias valências que ajudam desde bebés até aos mais velhos.
Ainda assim, diariamente, a Associação Todos, a Midas e o Centro de Acolhimento Mãe D'Água transformam dor em esperança.
Associação Todos: "O desespero é muito"
Há sete anos, quando foi criada a Associação Todos, o grupo de voluntários que fundou a instituição particular de solidariedade social (IPSS) quis saber na Junta de Campanhã, no Porto, qual a "maior carência" da freguesia e logo percebeu que podia "fazer a diferença" dedicando-se aos idosos, contou ao JN Augusta Baldaia, presidente da direção.
Assim nasceu o projeto "Todos no combate à solidão", um conjunto de atividades, agendadas de segunda a sexta-feira, das 14 às 17 horas, que "fazem com que os mais velhos (entre os 70 e os 85 anos) se sintam motivados a sair de casa".
"Às segundas fazem artesanato, às terças têm estimulação cognitiva, às quartas ginástica adaptada e massagens localizadas, às quintas dedicam-se ao teatro e as sextas são reservadas a passeios", contou Augusta Baldaia, também ela voluntária, salientando que as atividades são gratuitas.
Mas o trabalho da Todos, além de usar "a cultura para alimentar do espírito", também ajuda, literalmente, a matar a fome de muita gente, através de produtos - frutas, legumes, carnes e "quebras", como sacos de bens rasgados - doados todas as semanas pelas lojas Pingo Doce da Praça Velasquez e da Rua de Passos Manuel, no Porto. Assim, a associação ajuda imigrantes de Leste e "entre 200 e 400 famílias por mês". Augusta diz que "há cada vez mais gente a pedir apoio, da mesma forma que há menos donativos". Antes da pandemia, por exemplo, a IPSS dava lanche aos idosos, através do apoio de uma empresa, mas essa ajuda acabou.
"O desespero é muito e no nosso grupo de idosos há mais de 50% que hesitam entre comer e tomar a medicação, daí também serem ajudados com alimentos", referiu a responsável.
Augusta Baldaia contou que "2020 foi um ano complicado a nível de apoio alimentar", mas não tem dúvidas de que 2023 "está a ser o pior". Apelando à "solidariedade de todos", lembrou que as pessoas podem doar gratuitamente o 0,5% do IRS à instituição. "Uma impressora multifunções é também bem-vinda", concluiu.
Associação Midas: "Estamos a passar o pior momento"
"Estamos a passar o pior momento que já vivi nestes anos todos que faço parte desta associação". O desabafo é de Lígia Andrade, presidente da Midas - Movimento Internacional para a Defesa dos Animais, criada em 1998 e com instalações na Rua da Pinguela, em Custoias, num terreno cedido gratuitamente pela Câmara de Matosinhos, em 2006.
Além de "tudo estar mais caro" - "o mesmo pacote de ração, da mais barata, que antes custava 10 euros agora custa 16" -, os "pedidos de acolhimento têm aumentado, numa média de 30 por dia", contou a responsável. Sobretudo, "muitos filhos, adultos, que nos vêm entregar os animais de companhia dos pais".
Segundo Lígia, a Midas, com cerca de 170 animais, tem também recebido "menos doações": "Se antes, num fim de semana de campanha num supermercado, conseguíamos arrecadar cerca de cinco mil quilos de ração, agora trazemos três mil, que nos dá apenas para dois meses".
As contas da associação, que "são sempre de subtrair", complicam-se com as mais variadas despesas de manutenção: "Só em água pagamos entre 400 e 500 euros por mês".
"Todas as ajudas são importantes!", valoriza Lígia. "Além de doar comida, podem também entregar mantas, detergentes - este espaço, com dois mil metros quadrados, é lavado todos os dias, mais do que uma vez -, tornarem-se sócios, voluntários, e até apadrinharem um animal (contribuindo com dez euros por mês)", elenca Lígia.
Outra forma de ajudar a Midas é levando os patudos à clínica veterinária da associação, na Rua Eça de Queirós, na Senhora da Hora, também em Matosinhos, "onde são praticados preços especiais aos sócios".
Centro Mãe d'Água: Comida pesa nas contas como nunca
Foi inaugurado em 1998 o Centro de Acolhimento Mãe D'Água, valência da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Valongo, que dá casa e colo a 28 crianças, desde os primeiros dias até à adolescência. Uma estrutura com "um peso económico significativo", mas que enche de "orgulho" o provedor, Albino Poças: "Quando recebemos um donativo fico muito sensibilizado, porque é sinal que a sociedade está atenta ao trabalho que fazemos".
Mas o responsável tem consciência que são os "rendimentos próprios" da instituição que vão permitindo "aguentar" o centro. Até porque, mesmo contando com um donativo anual da Câmara de Valongo (de cerca de 25 mil euros), a valência tem "um orçamento muito pesado", que dá um ligeiro "prejuízo".
Albino Poças sublinha, ainda assim, o "ano excecional" que foi 2022, "graças a um donativo anónimo". Caso contrário, as contas no centro Mãe D'Água são feitas de "apertos": "Por mês, a Segurança Social comparticipa com 957 euros por criança, mas a despesa real é de 1500. É todo um trabalho que custa muito dinheiro", desabafou Albino Poças, lembrando que para ter a valência a funcionar 24 horas por dia "são necessários 25 funcionários".
Alargando a resposta social que é dada pela Santa Casa da Misericórdia de Valongo -residência sénior (com 60 idosos), centro de dia (com 25 pessoas), apoio domiciliário (32), creche e jardim de infância (com 105 crianças) -, o provedor revelou que, por mês, são gastos 1200 quilos de batatas e comprados entre 700 e 750 pães por dia.
"Nunca os produtos alimentares afetaram tanto o equilíbrio financeiro da instituição como agora", observou Albino Poças, assumindo que "todo o quilo de arroz doado é sempre bem-vindo". E acrescentou: "Só para se confecionar uma refeição no lar são precisos 35 quilos de carne".
Além das doações de alimentos, produtos de higiene, fraldas e brinquedos, o provedor chama a atenção para o facto de no Centro de Acolhimento Mãe D'Água apenas aceitarem "roupas novas para as crianças em idade escolar, a fim de se evitar que estas corram o risco de ouvir de um colega: "Fica-te bem esse vestido que era meu"".
Pormenores
Início do projeto
O programa Bairro Feliz, do Pingo Doce, que teve início em 2019 "para apoiar quem quer fazer a diferença no seu bairro", já ajudou 1025 projetos a nível nacional e 250 ideias na Área Metropolitana do Porto, referiu ao JN Filipa Pimentel, diretora de Desenvolvimento Sustentável e Impacto Local da empresa.
Apoio
A Associação Todos, a Midas e o Centro de Acolhimento Mãe D'Água já foram beneficiadas pelo Bairro Feliz. A Associação Todos conseguiu uma marquesa portátil, permitindo levar massagens terapêuticas a casa dos idosos. A Midas participou com o objetivo de alimentar diariamente 100 gatos para adoção. O Centro Mãe D'Água requalificou o parque infantil e adquiriu mobília e panelas para o espaço dos bebés.