Nada se descarta, nada se estraga, tudo se repara. Centro Social de Ermesinde na vanguarda da reutilização solidária. Ecologia e inserção social convergem na chamada economia circular.
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"Economia circular e de partilha", vinca Sérgio Garcia, engenheiro e militante do ambiente, responsável pela oficina de recuperação de equipamentos do Centro Social de Ermesinde. Fogões, máquinas de lavar, todo o género de eletrodomésticos, móveis e tantos outros monos condenados ao abate readquirem vida ou doam órgãos para estudo e formação de alunos da Escola de Segunda Oportunidade de Valongo.
Se teve os seus méritos, até pela lufada de renovada militância ecológica que trouxe em finais do século XX, a campanha Recuperar, Reciclar e Reutilizar relembra-se agora como romântico slogan dos três erres, a que sucedeu um conceito super-refinado, de fundação quase religiosa. O dogma é indiscutível - na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma - e a sentença do senhor Lavoisier é a catequese desta crença ambientalista, de economia verde e inclusiva, que varre a Europa e ainda mais nesta época de todos os confinamentos. Por cá, o Centro Social de Ermesinde (CSE), nos arredores do Porto, toma a dianteira. E a receita, afinal, é antiga: guarda o que não presta, acharás o que precisas.
"Em economia linear, compra-se, usa-se, descarta-se. Em economia circular, pretendemos juntar as pontas da economia linear e pensar duas vezes antes de comprar", explica Sérgio Garcia. Aos benefícios ambientais junta-se o objetivo social, de formação de jovens em risco de abandono escolar, de criação de qualificações, de emprego e de oportunidades de empreendedorismo, em circuitos próximos.
Às oficinas do designado Centro de Recuperação de Equipamentos Elétricos - também apoiadas e equipadas pela parceira Lipor - chegam os "monstros" (eletrodomésticos descartados) que a empresa de gestão de resíduos do Grande Porto recolhe e reencaminha para estudo dos aprendizes do CSE. Resultado: prolongamento da vida dos materiais, diminuição da pegada carbónica, valorização de recursos humanos, obtenção de receitas em mercados de segunda mão e, frequentemente, distribuição graciosa de eletrodomésticos recuperados a instituições de caridade e famílias carenciadas.
IDEIAS E NEGÓCIOS
Sempre com o mesmo conceito de economia circular e de reutilização solidária, o CSE também se compromete com o designado Contrato Local de Desenvolvimento Social, em parceria com a Segurança Social. Objetivo: promover o concurso de ideias entre os formandos e na própria comunidade e apoiar candidaturas ao microcrédito, "para ajudar as pessoas a desenvolverem o próprio negócio".
A tudo isto junta-se a "reutilização criativa", para a fabricação de novos produtos. Chamam-lhe "Upcycling", o termo inglês adotado para esta cultura de reaproveitamento. "Por vezes, dou por mim a meter no meu próprio carro e a trazer cá para as oficinas um móvel que vejo no lixo", diz Sérgio Garcia.
"Um móvel, um candeeiro, uma bicicleta velha... Refazemos tudo, também com espírito de artesanato e até de arte", acrescenta o engenheiro. Por isso, o CSE tem um projeto a que chama "Reciclarte" e outro, "Jogos e Brinquedos de Sempre", que também tem tudo de lúdico, na recuperação de brinquedos antigos, para pais e filhos.
O CSE ambiciona mais: "Queremos fazer um mapeamento de resíduos industriais não perigosos no nossos território, em Ermesinde, em Alfena, em Valongo, em todo o concelho, para podermos reintroduzir esses materiais nas nossas áreas de empreendedorismo e assim criar empregos, rendimentos ou complementos de renda", diz Sérgio Garcia.