Em Lisboa, muitos procuram apoio pela primeira vez. Trabalhavam em restaurantes ou hostels e ficaram sem emprego por causa da pandemia.
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Ainda não são 12 horas e já há uma fila com dezenas de pessoas à porta da Associação Cristã de Reinserção e Apoio Social (ACRAS), no bairro do Condado, em Marvila, Lisboa, para levantar uma refeição. Muitos estão ali pela primeira vez e nunca imaginaram precisar daquele apoio. Ficaram desempregados após o encerramento de hostels, restaurantes e lojas, por causa da pandemia. Sem qualquer fonte de rendimento e com filhos menores, a maioria não tem alternativa que não seja recorrer à caridade.
Paulo Barros, de 29 anos, nem dá tempo de falar ao funcionário que lhe vai entregar a refeição, tal a urgência da pergunta: "Têm comida para ela?". A resposta afirmativa tranquiliza-o. Fala de Carolina, a filha de um ano, que o acompanha há vários meses à ACRAS, uma das dezenas de associações de Lisboa que entregam comida a quem precisa.
Enquanto enche um saco com sopa, fruta, pão, o prato principal e papas para a filha, Paulo conta ao JN o pesadelo dos últimos meses. A loja de telecomunicações onde trabalhava despediu-o. Ainda encontrou trabalho num restaurante, mas, um mês e meio depois, fechou, por causa do novo confinamento. Com uma filha, a incerteza do futuro dói mais. "Infelizmente, para os jovens a situação é crítica. Os empregos são muito precários e mandam embora os mais antigos para contratarem novos", lamenta.
"É a nossa salvação"
Sofia, de 46 anos, também está na fila com a filha de quatro anos. Em casa tem ainda o marido e outro filho, de 18 anos. Era cozinheira na cantina do Instituto Universitário de Lisboa. Ficou sem trabalho assim que as universidades fecharam, no primeiro confinamento, o ano passado. "Esta refeição dá para todos e ainda sobra sopa para o jantar. É uma grande ajuda. Tem sido difícil encontrar trabalho, na cozinha e na limpeza", desabafa ao "Jornal de Notícias".
Macirley Silva, de 43 anos, leva dezenas de carcaças no saco e percebe-se o porquê. Lá em casa há mais uma criança e dois jovens, com 10, 13 e 18 anos, para quem este apoio é fundamental. "Tem sido a nossa salvação", diz. Macirley trabalhava na conhecida churrasqueira Valenciana, em Campolide. Grelhava frangos. Ficou desempregado quando o estabelecimento encerrou por causa da pandemia. A mulher, cuidadora de idosos, é a única a trabalhar e um ordenado não chega. "Estou à procura de emprego, mas tem sido difícil", afirma.
Alexandra Gonçalves, de 33 anos, fazia limpezas em 12 alojamentos temporários de Alfama. "A maioria dos clientes eram estrangeiros e como deixaram de vir, os senhorios arrendaram os apartamentos no regime de longa duração. Deixaram de precisar de mim", conta.
É a primeira vez que recorre a uma associação social e sem esta ajuda reconhece que seria muito difícil alimentar os sete filhos, dos dois aos 17 anos. "E tenho de fazer uma boa gestão dos alimentos para dar para todos, mas faz-se, é claro", explica, com otimismo.
Dados
19 283 refeições solidárias
Entre 11 de janeiro e 14 deste mês, a Câmara de Lisboa distribuiu 19 283 almoços. Desde o início da pandemia já foram entregues três milhões de refeições.
3,6 milhões de euros
Valor que a Câmara de Lisboa disponibilizou este mês para restaurantes começarem a confecionar refeições solidárias, uma forma de ajudar também a restauração.