Pescadores de Ribeira de Abade ainda conseguem 500 peixes por ano. Restaurantes esperam que negócio volte à normalidade. Gondomar retoma neste ano o festival em honra da iguaria.
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Apesar de ser entre fevereiro e março que as lampreias são pescadas em maior quantidade, a safra já começou na pequena comunidade piscatória de Ribeira de Abade, em Valbom, Gondomar. E mesmo que a pesca tenha decaído desde que a barragem de Crestuma/Lever foi construída, ainda se consegue apanhar por ano cerca 500 lampreias, que depois são vendidas para os restaurantes de todo o distrito do Porto. No prato, o preço desta iguaria ronda os 55 e 60 euros.
Na Casa Lindo, famoso restaurante com mais de 270 anos, a azáfama era grande por esta altura nos anos anteriores à pandemia. "Tínhamos clientes que faziam centenas de quilómetros para vir comer a lampreia", conta Pedro Martins, gerente e filho da proprietária Gracinda Lima. Por época eram servidas à volta de 300 lampreias. "No ano passado foram 50. Neste ano, estamos na expectativa porque embora as restrições estejam a aliviar as pessoas continuam em teletrabalho e não estão para sair de casa para ir ao restaurante", acrescenta.
Para tentar impulsionar as vendas e chamar mais visitantes, a Câmara de Gondomar volta este ano a realizar o Festival do Sável e da Lampreia, que em 2021 não foi organizado mas terá agora a sua 30.ª edição. "Esperemos que se volte à normalidade e que haja muita lampreia no Douro, embora a gente venda também muita que é pescada no rio Minho", conta Virgínia Silva, que começou a arranjar e a vender lampreia com 11 anos com aquela que seria mais tarde a sua sogra. A casa fundada por Arminda Flor ainda mantém a placa à porta do "Vende-se lampreia", à face da EN 108.
Restam poucos barcos
A comunidade piscatória de Valbom teve forte expressão desde a Idade Média até ao século XIX e as suas frotas pescavam inclusive no alto mar. No mapa da importância da pesca nos portos do Departamento Marítimo do Norte de 1886 refere-se a Póvoa de Varzim no primeiro lugar, logo seguida de Valbom. Havia nessa altura em Ribeira de Abade 158 embarcações e 522 pessoas ligadas à faina.
A partir dos anos 30 do século passado a pesca entrou em declínio. Hoje, existem cinco barcos e 15 pescadores. Adélio Oliveira, de 56 anos, e Nuno Cristóvão, de 40, são dois deles. Adélio nasceu mesmo ali, junto ao rio, nas antigas casas dos pescadores e onde hoje está o Posto de Controlo e Registo de Pescado de Valbom, fruto de uma parceria entre os pescadores, o município de Gondomar, a Docapesca e a Vianapesca. "Só os pescadores profissionais é que podem pescar lampreias e enguias", explica Nuno, acrescentando que "há cada vez mais gente nova a pedir cédula de pesca" e a querer entrar na profissão.
Por esta altura e até ao final de abril dividem a lampreia com os pescadores da Foz. Nuno e Adélio conseguem pescar três a quatro por dia. "Por ano, ainda se conseguem pescar aqui cerca de 500 lampreias", conta Nuno Cristóvão. Mas o Douro dá também sável, solhas, enguias e robalos. Toda a gastronomia destas zonas ribeirinhas de Gondomar tem forte influência do que é dado pelo rio, sendo que o sável e a lampreia reinam nos meses de janeiro a abril. A "Lampreia à Bordalesa", o "Arroz de Lampreia", o "Sável no Espeto" e a "Açorda de Milharas" são os pratos mais procurados.
Promover a restauração local
Depois da interrupção em 2021, devido ao contexto pandémico, a 30ª edição do Festival do Sável e da Lampreia, promovida pelo Município de Gondomar, regressa este ano entre 25 de fevereiro e 3 de abril, nos restaurantes aderentes. A autarquia diz que "é tempo de retomar a economia, apoiar a restauração local e valorizar a gastronomia genuína do território". Das capturas realizadas em 2020, aquando do início do confinamento, o valor bruto das vendas foi superior a 41 mil euros, mais 22,7% que em 2019.
Rainha também em Entre-os-Rios
A lampreia é um ciclóstomo de corpo circular e com a boca em forma de ventosa. É um dos marcos da gastronomia do concelho de Penafiel, nomeadamente na restauração da zona ribeirinha de Entre-os-Rios.
À mesa em Castelo de Paiva
Junto ao Douro, no cais de Boure/Sardoura, a Câmara de Castelo de Paiva promove todos os anos o Festival da Lampreia e do Sável. A lampreia com arroz ou a lampreia à bordalesa são o mote da iniciativa.
Barragem e poluição
A poluição e a barragem de Crestuma/Lever (inaugurada em 1985) colocam em perigo a preservação da espécie. A lampreia é impedida de subir o leito do rio para desovar.