Escassez de alimentos, incompetência política, oportunismo e açambarcamento levaram a fome a muitos lares da cidade, no ano de 1920.
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Foi em fevereiro de 1920 que o JN começou a escrever na primeira página o preâmbulo da grave crise económica e social que, poucos meses depois, levou a fome a muitos lares da cidade do Porto. Por cá ainda se ouviam os ecos da I Guerra Mundial e todo o mal que o conflito havia causado, até nos estados não beligerantes, a começar pelos milhões de homens que tombaram - esses homens que foram deslocados das oficinas para os campos de batalha - ou que regressaram a casa estropiados depois de assinado o Armistício.
Em pleno verão e durante meses a fio, o nosso jornal denunciou com todas as letras as causas da escassez de alimentos e de outros bens essenciais à sobrevivência humana, criticou ferozmente o poder político e atacou os oportunistas, os intermediários, os açambarcadores, os fiscais burlistas e outros figurões que fizeram carreira à custa da miséria dos pobres ou dos remediados no período "do após guerra", como então se dizia. Faltava tudo: azeite, açúcar, arroz, manteiga, feijão, carnes, batatas, carvão, calçado.
Além disso, as pessoas tinham de comer o designado "pão tipo único", que abalizados médicos classificavam, nas páginas do JN, como "pão veneno", tais eram os problemas gastrointestinais que causava. "Um pão que Lenine não mandaria fornecer ao czar na prisão", escrevia um especialista.
Da capital do país não chegavam boas notícias: os ministros entravam e saíam do Governo em menos de um credo, a classe política estava cheia de "improvisados estadistas". As medidas governativas, no geral, não resolviam coisa nenhuma. "Medidas imbecis", escrevia o JN, quando, por exemplo, assumiu uma posição contra o tabelamento dos géneros e a favor da liberdade do comércio.
O que mais sobressai desta época é que o JN assumiu como sua a luta contra a fome no Porto. "Os nossos protestos não são mais do que os protestos de toda a população da cidade" e "Não queremos o supérfluo, exigimos somente o necessário" são apenas dois exemplos das repetidas reivindicações escritas na primeira página, sob o tema "Vida cara".
Artigos de opinião, cartas enviadas pelos nossos leitores - incluindo vários estudantes universitários, queixando-se que o dito "pão veneno" tinha baratas - e até apelos à população, para que fizesse comícios "ordeiros e disciplinados" perante o "desprezo das altas instâncias de Lisboa": o JN não parou de lutar contra a crise das subsistências que, muitas vezes, atirou para o cárcere "quem apenas furtou um pão porque tinha fome".