João Matos, de 28 anos, utente da APPACDM - Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, em Areosa, Viana do Castelo, foi, esta terça-feira, o herói do dia na instituição, aplaudido por colegas e trabalhadores.
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O jovem ofereceu-se para participar num resgate em altura, no âmbito de um simulacro de sismo, e foi "salvo" por uma equipa do corpo de Bombeiros Sapadores local. Desceu por cordas de uma janela do edifício, a uma altura de cerca de quatro metros, sem mostrar medo e sob gritos de incentivo da assistência.
Quando pisou terra firme, correu a dar abraços. Depois de abraçar alguns responsáveis, entre os quais a psicóloga Verónica, foi à procura da mãe, que se encontrava presente, para lhe cair nos braços. "Consegui. Desci pelo baloiço. Não tive medo", disse depois ao JN, fugindo envergonhado.
A APPACDM foi escolhida, este ano, para realização da 11.ª edição do "A TERRA TREME", Exercício Público de Sensibilização para o Risco Sísmico, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), em Viana do Castelo. Participaram cerca de 200 pessoas, entre utentes (180 jovens e adultos com deficiência) e operacionais.
À hora marcada, 11.14 horas (a simbolizar o dia 14 de novembro), começou a soar nas instalações uma sirene e um apito, indicando o início do simulacro. Em todas as salas da APPACDM, utentes, professores e funcionários baixaram-se, protegendo-se debaixo das mesas e aguardaram durante um minuto.
"Olha, está-me a dar beijos", comentou Catarina Vilaça, monitora de atividades ocupacionais, enquanto permanecia deitada no chão, sob uma mesa, com o utente Cristovão, de 25 anos, agarrado a ela.
Do outro lado da sala, João, de 45 anos, riu o tempo todo e, no final, quando o JN lhe perguntou porque se estava a rir, respondeu com uma gargalhada: "não ia chorar".
"Eles divertem-se muito e para este [o Cristovão] foi a melhor coisa possível. Estava-me a dar beijinhos", descreveu a monitora Catarina, considerando o exercício "muito positivo".
"Até chegarmos ao simulacro tivemos uma preparação. Falo quase diariamente com eles sobre o que vai acontecer, o que faz com que comecem a ter mais atenção. E assim já sabem o que têm de fazer: abaixam-se e, quando acabar a sirene, fugimos para o campo de futebol (situado num descampado, no exterior do edifício), porque o tremor já está a passar e temos de ir e deixar tudo", descreveu.
Na região, "não há história" de grandes sismos, mas segundo António Cruz, coordenador municipal da Proteção Civil de Viana do Castelo, o exercício "é importante, principalmente junto deste tipo de população, porque a capacidade deles de reagir é diferente e serve sobretudo para perceberem como devem agir numa situação real".
Carlos Pereira, 2º Comandante Subregional de Emergência e Proteção Civil, descreveu que, após cumprimento dos procedimentos nas salas, deram seguimento ao programado: evacuação do edifício e simulações de dois resgates, de vítimas que ficaram no interior, com intervenção dos bombeiros Voluntários e sapadores de Viana. "Lançámos o desafio à escola, que já tem o hábito de treinar e cumprimos com o que era expectável", comentou no fim.
Jorge Alberto, 47 anos, utente e lavador de automóveis da APPACDM, circulava pelo espaço a observar o movimento atípico nas instalações. "Hoje é um dia diferente. Temos que nos preparar para esconder debaixo das mesas e das camas. Às vezes tenho medo que haja um tremor de terra", comentou.
Para Júlio Viana, vice-presidente da APPACDM, a jornada realizada na instituição foi motivo de satisfação, pelo efeito de prevenção que pode resultar para os utentes.
"Temos de facto de estar preparados. Estava aqui a ver isto e a pensar em ir um pouco mais longe, porque temos lares residenciais e uma série de sítios onde há pessoas acamadas e muita dificuldade de mobilidade", destacou, sublinhando que há "uma preocupação latente". E que, por isso, os simulacros auxiliam na preparação para enfrentar situações reais. "No essencial, mesmo que isto seja uma festa e uma brincadeira, alguma coisa fica na mente destas pessoas", concluiu.