Numa carta enviada ao autarca Nuno Cruz, presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto, o presidente da Câmara, Rui Moreira, exige a devolução dos 75 mil euros aprovados em 2019 para a reabilitação do Mercado de São Sebastião. Em causa está o "incumprimento" do contrato previsto no Orçamento Colaborativo, uma vez que a empreitada não avançou.
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A decisão da Câmara do Porto de "resolução do contrato por incumprimento, a ser deliberada pelo Executivo municipal, com vista a exigir a devolução das quantias recebidas pela União de Freguesias do Centro Histórico" foi comunicada a Nuno Cruz no dia 20 de junho. Rui Moreira já anteriormente tinha pedido informações sobre o ponto de situação do lançamento do concurso para a empreitada, tendo Nuno Cruz "invocado diversas vicissitudes, nomeadamente as dificuldades financeiras que a Junta enfrenta".
Na sessão desta segunda-feira da Assembleia Municipal, numa altura em que se debatia a deliberação do próximo Orçamento Colaborativo, a polémica sobre a reabilitação do Mercado de São Sebastião foi levantada pelo deputado da CDU, Rui Sá. Isto porque, esclareceu, sobre aquele ponto, considera ser "competência das Assembleias de Freguesia fiscalizarem se a freguesia procedeu bem ou mal e sabemos que em anteriores orçamentos colaborativos houve juntas de freguesia que em vez de atribuírem verbas às instituições da sua freguesia, estiveram a atribuir verbas para o seu próprio orçamento e para a recuperação dos seus próprios edifícios".
E mais acrescentou: "Até sabemos de um caso em que o senhor presidente da Câmara enviou um ofício ao senhor presidente da Junta dizendo: "O senhor não gastou a verba como se tinha comprometido e, portanto, além de o equipamento [no caso, o Mercado de São Sebastião] ter que retornar à Câmara, a Junta vai ter que devolver o dinheiro".
Apesar da insistência - o deputado do BE, Adriano Campos, pediu também explicação sobre o que aconteceu -, Catarina Araújo, em substituição de Rui Moreira, não se pronunciou sobre o tema. Em jeito de defesa de todos os presidentes de Junta, Sofia Maia, autarca da União das Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos, referiu que o regulamento "foi alterado" e que nenhum dos projetos previstos no Orçamento Colaborativo pode estar relacionado com a reabilitação ou recuperação de edifícios da Junta.
Oposição já tinha mostrado preocupação
Também o vereador socialista Tiago Barbosa Ribeiro recorda que, já a 7 de janeiro deste ano, questionou o Executivo liderado por Rui Moreira sobre qual o ponto da situação da reabilitação após uma visita ao mercado que se encontra "num estado de grande degradação, prejudicando as condições de segurança, higiene e salubridade de quem nele vende e compra", o que coloca em causa a "sustentabilidade" do espaço. Na visita da vereação socialista foi ainda observado "o recrudescimento do tráfico de droga e a proliferação de várias tendas de toxicodependentes nas traseiras do mercado, associadas, presume-se, ao fenómeno do tráfico de droga em redor do local".
Também a CDU, em deliberação tomada por larga maioria (13/19 votos possíveis) na última sessão da Assembleia de Freguesia do Centro Histórico do Porto, a 30 de junho, e depois de já ter conhecimento da vontade de Rui Moreira de exigir a devolução das quantias envolvidas, apelou ao presidente da Câmara "para que repense a sua posição" e, em alternativa, "delibere articular" com a Junta da União de Freguesias "a adoção das medidas necessárias para a efetiva reabilitação do mercado".
Ao mesmo tempo, os comunistas responsabilizam financeiramente o anterior Executivo por eventuais danos patrimoniais resultantes do incumprimento do Contrato Interadministrativo respeitante ao "Orçamento Colaborativo 2019".
Ao JN, António José Fonseca, que se candidatou pelo Chega nas eleições autárquicas e que perdeu a liderança da União de Freguesias para Nuno Cruz, lembra que "dos 100 mil euros, 25 eram para a "Biblioteca das Coisas" obra que deixamos concluída".
E acrescenta: "Sobre o mercado, a verba que o meu Executivo deixou dava para concluir a obra. Obviamente, com algum atraso" devido à complexidade do licenciamento. Fonseca fala ainda em atrasos provocados pela pandemia que condicionaram as reuniões com diversas entidades das quais eram necessários pareceres para a obra avançar.
O também presidente da Associação de Bares da Zona Histórica diz que o seu Executivo "deu conhecimento, com regularidade à adjunta do presidente da Câmara (a atual presidente da Junta de Ramalde), assim como ao anterior interlocutor para as freguesias (Vicente Silva), que chegou a estar presente em reunião com os técnicos da obra, com vista a inteirar-se do ponto da situação".
Entretanto, a União de Freguesias do Centro Histórico vai promover no próximo dia 25 de julho, pelas 17.30 horas, no auditório do edifício da Sé, na Rua de Augusto Rosa, uma discussão pública sobre o mercado, aberta a toda a população.
O JN tentou contactar o atual autarca Nuno Cruz, não tendo, até ao momento, conseguido obter qualquer reação.
Mercado há muito à espera de obras
O Mercado de São Sebastião é um espaço de venda tradicional de produtos hortícolas e frutícolas, de flores e peixe fresco. A atual estrutura em betão do espaço comercial, a primeira construção do Porto com uma cobertura verde, foi edificada no início da década de 90 do século passado. Antes o mercado era uma amálgama de bancas e tendas onde a insalubridade e a falta de higiene eram imagem de marca. Com o passar dos anos e com o despovoamento de moradores na Sé durante as últimas décadas, o número de vendedores também diminuiu. Os poucos que restam trabalham numa estrutura degradada, sem proteção contra o frio e a chuva e sem instalações sanitárias. É habitual ver-se pessoas em situação de sem-abrigo em tenda e acampadas na envolvente onde o tráfico e o consumo de droga é visível em todas as horas do dia.
O objetivo do projeto de renovação que estava previsto (financiado pela verba de 100 mil euros prevista no Orçamento Colaborativo de 2019, dos quais 75 mil estavam destinados a esta obra), era dinamizar o espaço e atrair mais turismo. O mercado manteria a cobertura verde, teria casas de banho, área de comércio para artesanato, livrarias, alfarrabistas ou floristas, e ainda uma área de restauração dedicada à gastronomia típica. Na empreitada seria revisto o saneamento, as acessibilidades e a iluminação.