Restam meia dúzia de moradores e é com tristeza que passam as últimas horas no bairro onde viveram durante décadas. Já todos têm saudades.
Corpo do artigo
10832972
Em pouco tempo o Bairro do Aleixo ficou vazio. Restam meia dúzia de famílias que por estes dias fazem a mudança para as casas onde foram realojadas. No início de maio, a Câmara do Porto entregará as chaves das três torres ao Fundo Imobiliário que procederá à demolição. Restam as saudades. Na hora da partida, os moradores não escondem a emoção.
https://d23t0mtz3kds72.cloudfront.net/2019/04/06790002_20190424204234/hls/video.m3u8
Lurdes Santos arrasta os sacos pela casa e com a filha vai desmontando as camas e outros móveis. É das últimas a sair da Torre 3 com destino ao Bairro de Francos. "Vim da Ribeira para o Aleixo com o meus pais ainda pequena. Aqui tive os meus filhos e aqui nasceram os meus netos", conta, explicando que está satisfeita com a habitação que lhe foi atribuída. Lurdes teve um enfarte e das poucas exigências que fez foi a de não ter de subir nem descer muitas escadas. Vai viver num primeiro andar. "Está a ser muita pressão", afirma, não conseguindo conter as lágrimas.
Todos os moradores tiveram de assinar um novo contrato de arrendamento e o prazo para deixar as casas do Aleixo esgota-se amanhã. A Câmara do Porto deu mais alguns dias de tolerância, mas, como afirmou o vereador da Habitação, Fernando Paulo, na última reunião do Executivo, "não se pode alargar mais o prazo pois caso contrário nunca mais sairiam do Aleixo".
"Por mim ficava aqui"
Há mobílias pelos corredores dos espaços comuns, colchões, vasos com plantas, cobertores, brinquedos, lixo, muito lixo e sujidade espalhada. Orquídea Santos, do rés do chão da Torre 3, será das últimas a sair, nesta sexta-feira. A sexagenária está acamada e vai para casa da filha e não para o terceiro andar que lhe foi atribuído no Bairro de Pinheiro Torres onde ficarão os dois filhos. Mais tarde será transferida para a Pasteleira. Enquanto o marido vai transportando os bens, Orquídea recebe os cuidados na neta Iara. "Por mim ficava aqui", diz com olhar embargado, tentando ver televisão, a sua principal companhia desde que em outubro sofreu um AVC.
Também Maria Celeste da Silva, de 81 anos, vai para a Pasteleira. "Está a ser muito complicado porque eu não queria sair daqui", diz, embora reconheça que "lá a casa tem melhores condições". Celeste já foi operada por três vezes. Como a torre está sem elevador, foi transportada sentada numa cadeira, escadas acima e escadas abaixo, sempre que ia aos tratamentos.
Só tem pena da casa nova ser pequena. "Tenho de deitar coisas fora, coisas que fui comprando ao longo do tempo porque eram precisas. As louças estão em casa da minha filha", explica, recordando os bons anos que passou no Aleixo. Foi para ali viver quando casou, aos 18 anos. "O ambiente era muito bom. Agora vou para um sítio que nem sabia que existia. Nunca saí daqui, nunca mais fui à Ribeira apesar de pedir aos meus filhos para me levarem", acrescenta. "Ai não! Se não depois apanhavas sol e não querias voltar", ri a filha que por estes dias a acompanha na mudança. Vai para a Pasteleira Velha com os filhos. Um leva a companheira e o neto de Maria Celeste, o outro, Luís, de 56 anos, sofre de paralisia desde criança.
ainda há revolta
Fernanda Almeida não esconde a revolta. Só está à espera que o marido, montador de andaimes e que se encontra em Sines, regresse para ir com as duas filhas e um neto instalar-se no Bairro do Bom Pastor. "O que mais me dói é a forma como as pessoas foram tratadas". Fala das casas que foram prometidas pelo Fundo Imobiliário. Emociona-se e chora no local onde viveu com os pais, com quem veio da Ribeira aos cinco anos.
Rosa Armandina, de 70 anos, vai arrastando os sacos da casa onde vive, no 12.º andar da Torre 1 do Aleixo. Tal como todos os outros, veio da Ribeira pouco antes do 25 Abril de 1974. O bairro foi inaugurado 12 dias antes. Em sacos de supermercado vai transportando os seus bens para a nova casa na Pasteleira Velha. Desce os 12 andares e mete-se no autocarro "porque de táxi fica um balúrdio".
"cantinho ajeitadinho"
Está sozinha na mudança. O marido morreu no dia 11 de ataque cardíaco. O filho está há dois meses preso em Custóias. "Tudo isto mexe com a gente", refere Rosa, que gosta da futura habitação: "Não posso queixar-me, é um cantinho muito ajeitadinho, a cozinha é que é pequena". Tal como a de Graça Teixeira, que já está no Bairro das Campinas com os filhos e os sobrinhos, filho da irmã, presa no mesmo dia do filho de Rosa no raid policial realizado pouco antes das mudanças. "A casa é boa, embora pequena. Mas é o que há", conta Graça que vai continuar a visitar o Aleixo, "nem que seja para ver os prédios de luxo que vão construir".