"No cake, no party" (Não há bolo, não há festa), este é o lema do maior fabricante do Mundo de formas para bolos, a 'A Metalúrgica', uma empresa familiar portuguesa criada há quase 122 anos e que já vai na quinta geração. Nasceu no Porto nos finais do Século XIX, mas há quase um quarto de século transferiu as instalações para Campo, Valongo.
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Quando a 21 de abril de 1896 Joaquim Moreira Pinto fundou a "A Metalúrgica" e iniciou a produção artesanal de regadores, lamparinas de iluminação, almotolias e pequenas formas, jamais pensou que, menos de um século depois, a empresa seria líder mundial no fabrico de formas para bolos e para a indústria da pastelaria e panificação e que daria emprego a mais de uma centena de pessoas.
"Nas mãos do meu bisavô [David Moreira Pinto] começámos a focarmo-nos na produção de formas para bolos e com o meu pai [Agostinho Santos] passámos para processo industrializado, mecanizado e automatizado. Crescemos muito e começámos a ter formas muito diversas", explica Raquel Santos, trineta do fundador e atual administradora, que gere a empresa juntamente com a irmã Ana Santos, diretora de produção, continuando: "O objetivo era que pudesse haver uma forma para celebrar qualquer momento da nossa vida e isso fez com que chegássemos ao ponto de termos uma das maiores gamas mundiais de formas para bolos, senão mesmo a maior. Até porque não há festa sem bolo. "No cake, no party", é o nosso lema".
Na sala de exposições podem ver-se desde as tradicionais formas de pudim e de bolo até aos mais diversos animais e objetos. A imaginação parece não conhecer limites quando se trata de desenhar um novo modelo. E quase não há! "Há alguns limites no sentido de que todas as peças que nos sejam pedidas têm de ser estudadas para que seja possível estampar. Não é possível fazer formas muito vincadas, tem tudo de ter um aspeto redondinho. Mas qualquer formato é possível", avança a administradora.
Um dos projetos mais complicados que foi proposto à "A Metalúrgica" está ligado a uma das marcas do concelho de Valongo: criar uma forma de uma trilobite para possibilitar a produção de um novo biscoito. "Foi difícil, mas normalmente damos sempre a volta ao texto", salienta Raquel Santos.
Agostinho Santos, presidente da administração, que, embora já esteja reformado, continua a ser presença assídua na empresa, recorda um pedido ainda mais difícil de transferir para as placas de metal. "Houve um canadiano, produtor de tostas, que um dia os trouxe um molde para fazer uma peça estampada e vi que ia ser uma chatice, devido à profundidade e à largura fininha. Decidi fazer um teste que iria custar muito dinheiro, mas consegui. E já fizemos outras, posteriores, ainda mais profundas. Mas esta foi a primeira prova da minha coragem e capacidade de ir além do que parece ser possível", frisa o grande impulsionador da escalada mundial.
A internacionalização da marca
'A Metalúrgica' passou para as mãos de Agostinho Santos no final da década de 70 do século passado, quando estava prestes a fechar as portas. Comprou-o ao avô da mulher por considerar que não se poderia perder um bem familiar e deu-lhe dimensão internacional. "Eu trabalhava na área dos seguros e, nessa altura, o meu sogro, que era desenhador, estava desempregado, por isso coloquei-o a trabalhar durante o dia na fábrica e quando saída do meu emprego vinha para aqui resolver os problemas. Investi logo na exportação. Comprei um computador que me custou 1500 contos [7500 euros] e um telex que me permitia contactar rapidamente com os clientes finais. No início dos anos 80 já exportava contentores inteiros para os Estados Unidos", conta o presidente da administração, atribuindo mérito aos clientes no salto dado.
"O mercado internacional é a nossa base, exportamos mais de 90% da produção. E crescemos muito por sugestão dos nossos clientes, que nos traziam pedidos para fazer moldes muitos originais", salienta o dono.
Mas foi, também, a capacidade de Agostinho Santos de antecipar as exigências do negócios que fez a empresa tornar-se no que é hoje. "Tínhamos de ter capacidade de resposta imediata aos pedidos dos clientes, pois é aí que reside o sucesso das coisas. No dia em que o cliente chegar e eu não lhe der o produto naquele prazo de tempo que quer, ele irá à procura de quem o faça. Por isso, temos centenas de máquinas, muito mais do que trabalhadores, é neste conceito do serviço rápido e bom que reside o nosso sucesso", afirma o presidente da administração.
"Investimos muito no nosso departamento de concepção. Não podemos correr o risco de estar três, quatro, cinco ou seis meses à espera que alguém faça a ferramenta para fazermos as nossas peças, então fazemos tudo dentro de porta. E temos um grupo grande que está a desenhar as peças e as ferramentas e temos outro que está a trabalhar na parte da concepção das ferramentas. Muitas vezes os projetos ganham-se pelos tempos de resposta. Então esta capacidade que temos de por um produto novo, às vezes extremamente complexo, fora de portas em 30 dias, para o cliente, é um fator muito significativo", acrescenta, por sua vez, Raquel Santos.
Aliado à rapidez de execução da produção, segundo o dono "é preciso ter tecnologia e arte". "Sempre fui muito tecnológico e sempre adorei física e técnicas. Fabriquei imensas máquinas adequadas para a produção dos nossos produtos. Tenho aptidão especial para perceber como as coisas funcionam e consigo fazer facilmente um produto para as nossas necessidades. Depois, é preciso ter muito bom gosto, pois temos de corresponder às aspirações das crianças, das festas de aniversário e não só, do dia do Pai, da Mãe, Natal, Páscoa. Tudo isso foi criado por nós e é por isso que temos a maior gama mundial de formas para bolos", anota, ainda.
E, com a chegada da globalização, quando viu que a China podia ser um competidor de peso, virou as atenções para a indústria da pastelaria e panificação, mercado que, atualmente, "representa 80% das exportação".
"Temos produtos que são uma revolução a nível mundial para o fabrico de pão, que têm uma economia de utilização de farinha e temperatura que é brutal e isso está-nos a dar uma projeção mundial imensa", diz, com orgulho, Agostinho Santos, apontando o segredo do sucesso: "Muita gente pensa que o mais importante é ganhar dinheiro e isso é o erro número um. O importante é ganhar o dinheiro necessário para que se tenha um vida equilibrada e os nossos funcionários também e que o produto tenha vitalidade".
Mercado pequeno e falta de mão-de-obra qualificada
Embora o primeiro mercado internacional a que teve acesso tenha sido o norte-americano, muito por força das vendas por catálogo - os produtos 'A Metalúrgica' foram várias vezes capa do gigante "Williams Sonoma" -, hoje em dia é na Europa e Oceania que residem os principais clientes.
Já no que toca ao próprio país, a percentagem de vendas é muito residual. "O mercado português é pequenino, somos só dez milhões. Não há nenhum distribuidor em Portugal que tenha tido a vontade de pegar nestas peças. Temos pedidos de lojas, mas são pequeninas e não têm capacidade para comprar a quantidade mínima que justifique a produção, que é 100 unidades", lamenta a administradora.
Outra queixa que Raquel Santos faz deve-se à falta de mão-de-obra especializada na área da metalurgia e metalomecânica. "São profissões com muito futuro, bem pagas e são muito importantes para esta indústria que está a crescer tanto e é o setor mais exportador de Portugal, maior do que o Têxtil e Calçado juntos, portanto é um setor com muita força, mas é difícil arranjar pessoas para esta arte", anota a responsável, apontando algumas razões para tal: "Acho que este setor ainda está associado aquele trabalho sujo, mecânico e desinteressante".
"Contudo, é exatamente o contrário. É sofisticado, robotizado, desafiante e altamente interessante. Há imensos postos de trabalho em aberto", frisa Raquel Santos, salientando que a empresa "dá imensa formação". "Como não há mão-de-obra especializada no mercado, o que fazemos é contratar as pessoas não especializadas e investimos muitas horas de formação nelas. E quero deixar claro que nesta área não há diferença salarial entre homens e mulheres", completou a administradora.
Trabalhador mais antigo acompanhou crescimento
Jorge Teixeira é o funcionário mais antigo da empresa. Entrou em 1982, com 15 anos, para as instalações da fábrica em Ramalde, no Porto, e acompanhou de perto o crescimento da empresa. "Estou aqui vai fazer 36 anos a 1 de outubro. Quando vim quase não existiam máquinas nenhumas, começou a evoluir desde 1986, depois veio máquina acima de máquina e hoje temos aqui o nosso futuro. Foi um grande invento que o nosso patrão fez", avança o trabalhador, que chefia a área de acabamentos e soldadura.
Ao longo de todos estes anos de serviço, Jorge foi ganhando o gosto pelo que faz e hoje em dia ensina os mais jovens a arte do ofício. "Não é um trabalho pesado e é fácil de ensinar. Se a pessoa tiver vontade de aprender e gostar do trabalho, não tem dificuldade em aprender", deixa a dica para quem possa estar interessado em ingressar na área da metalurgia.
E não descarta o sexo feminino para a execução das mesmas tarefas. "Já não é um trabalho tipicamente masculino. Por vezes, as mulheres até têm mais cuidado em fazer as coisas do que os homens e, ao fim de algum tempo, tornam-se rápidas a executar as tarefas e têm mais cuidado, são muito perfeitas a trabalhar", finaliza o funcionário.