Meio ano após a reabertura do Mercado do Bolhão, no Porto, a maior parte das lojas de rua continuam fechadas: só 16 estão de portas abertas, de um total de 38.
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Algumas das que abriram depararam-se com problemas nas instalações, mas a Câmara do Porto garante que "os comerciantes foram ressarcidos dos prejuízos que foram apurados". A Autarquia admite, contudo, que "possam existir problemas e insatisfações" por parte dos comerciantes.
Sérgio Modesto eleva os olhos até ao teto, ergue o dedo no ar e aponta o que batizou de "buraco camarário". E é a partir do furo que ficou "à espera dos cabos" que desfia a desventura em que se transformou, para a Photomaton que herdou do pai, a obra do Mercado do Bolhão, onde mora a loja de fotografia fundada em 1932.
O rol de prejuízos estica-se quase até aos 30 mil euros, e vai desde a instalação elétrica até à perda de mobiliário, passando por danos causados pela "entrada de muita água" na loja. "Entreguei a loja direitinha e, quando a recebo, está tudo estragado", lamenta Sérgio Modesto, que começa por exibir a humidade nos armários de parede e vai somando os estragos à medida que sobe até aos pisos superiores.
No primeiro andar, o soalho de madeira está repleto de manchas de humidade", mostra o comerciante, comparando o estado do chão, que entretanto tratou para disfarçar as manchas, com fotografias anteriores às obras, em que é visível o piso em bom estado.
A lista de danos continua: "os holofotes que eram do meu pai desapareceram, tal como um charriot de colocar a iluminação, deitaram ao lixo móveis que estavam agarrados ao chão, toda a instalação industrial de eletricidade desapareceu e os dois balcões da loja também...". No último piso, são ainda visíveis estragos na casa de banho e em paredes.
Reclamaram à Câmara
"Quando aqui cheguei, estava o teto todo sem luzes e com um furinho para a cablagem. Naquele furinho, penso que milagrosamente vai aparecer o ar condicionado e as luzes que desapareceram", ironiza o lojista, assegurando que a intervenção que estava prevista para a Photomaton se cingia à fachada. "Deram 10 mil euros [para cobrir danos], o que não dá para nada, porque só para a eletricidade já gastei cinco mil euros mais IVA. E para móveis foram 5800 euros", contabiliza Sérgio Modesto, que remeteu a lista de prejuízos para a Câmara do Porto.
À Autarquia chegaram também as reclamações de Helena Ferreira, que publicamente tem denunciado que a abertura da loja dedicada ao azeite está suspensa por aquilo que alega serem problemas na estrutura do espaço, onde refere haver "infiltrações" de água.
A comerciante, que detém a empresa Oliva & Co, fez chegar, em março, uma missiva ao presidente da Câmara, Rui Moreira, e tornou-a pública na página pessoal de Facebook.
No caso da Photomaton, além dos estragos visíveis, Sérgio Modesto e a mulher, Maria, depararam-se com outro problema, quando quiseram reabrir a loja, em setembro: faltavam as ligações de telecomunicações, e foi preciso encontrar os cabos. "Não deixaram um esquema do sítio onde estavam os fios, e foram precisos três meses para descobrir a linha telefónica", lembra a comerciante.
Igual problema enfrenta a vizinha Relojoaria Mendonça, que ainda não se instalou no antigo espaço do Bolhão por causa desse constrangimento. "Na nossa loja só falta o telefone e a internet, porque não deixaram as ligações feitas, o que é uma falha da obra. De resto, não temos nada a dizer", garante o proprietário, Jacinto Mendonça, adiantando que será "necessário fazer um buraco na rua para efetuar a ligação à loja, onde vai ser preciso rebentar um canto do piso". "É a terceira vez que a operadora vem cá e não conseguem passar os cabos", conta.
Os comerciantes acreditam que nas restantes lojas, ainda desocupadas e por intervencionar, possa ocorrer o mesmo problema. No entanto, questionada pelo JN, a Câmara do Porto não esclareceu este ponto, nem indicou o motivo pelo qual as ligações não foram feitas.
Nesses espaços, onde papéis nas montras encobrem interiores ainda em osso, Jacinto Mendonça gostava de ver abrir "lojas tradição, que seriam lojas-âncora" para o Mercado do Bolhão. Como a secular Casa Hortícola, que voltou ao mesmo espaço e continua nas mãos quase centenárias de António Sousa, com perto de oito décadas de vida ali passadas, quase tantos anos quantos o incansável funcionário, Isidro Oliveira, soma desde que nasceu.
"Aqui, ficou tudo igual. Tanto o interior, como o exterior. As pinturas já estavam escuras, e ficaram mais bonitas", aplaude o ancião da Casa Hortícola.
Autarquia garante que vai resolver problemas
É natural que, no momento de regressar ao "novo" Bolhão, possam existir problemas e insatisfações", reconhece, ao JN, o gabinete de comunicação da Câmara do Porto, que crê que essas "situações serão ultrapassadas". A Autarquia garante que as questões da alçada da GO Porto - empresa municipal que gere a obra do Bolhão - "serão resolvidas", bem como os "assuntos de ordem técnica que possam não estar devidamente encerrados".
A Câmara ressalva, porém, que outros casos são da "exclusiva responsabilidade dos comerciantes", como os que decorrem de situações em que, "no momento da saída do Mercado do Bolhão, não identificaram o mobiliário ou outros materiais que não podiam ser removidos, mas que eram para preservar".
Da génese à renovação
Origens no século XIX - As raízes do Mercado do Bolhão são anteriores ao atual edifício, construído em 1914. Remontam a 1839, ano em que a Câmara determinou a abertura do mercado, de forma a concentrar na mesma zona os mercados existentes na cidade, à exceção dos do Anjo e da Ribeira. Inicialmente, o espaço era delimitado por um gradeamento de ferro.
Imóvel classificado - Em 2006, o Mercado do Bolhão foi classificado pela Autarquia como Imóvel de Interesse Patrimonial, sendo referenciado na Carta de Património do Plano Diretor Municipal do Porto pelos valores arquitetónico, artístico, histórico, simbólico, cultural e social que apresenta. Em 2013, foi classificado como Monumento de Interesse Público e descrito como "um dos espaços coletivos mais emblemáticos da cidade"".
Reabertura em 2022 - O histórico Mercado do Bolhão encerrou a 28 de abril de 2018, para obras profundas de reabilitação que se estenderam por quatro anos e meio. Reabriu renovado a 15 de setembro de 2022.
Espaços comerciais - Segundo a Câmara, dos 38 espaços de lojas existentes, 36 encontram-se atribuídos, dos quais 16 estão já abertos. Nove encontram-se com obra em curso. Todos os 10 restaurantes estão atribuídos. Dois já abriram e quatro estão em obras. Das 79 bancas, 77 estão atribuídas e 75 em funcionamento.
50 milhões de euros - Foi o total do investimento feito na obra de reabilitação do Mercado do Bolhão, realizada a partir do projeto do arquiteto Nuno Valentim.
127 espaços - É o número total de áreas comerciais existentes no Bolhão. Destas, 123 encontram-se atribuídas, 93 abertas e 13 já com obra em curso.