Margarida reformou-se, mas continua a ajudar Viana a ser Terra de Todos
A loja 17 do mercado municipal de Viana do Castelo é uma porta aberta para ajudar os imigrantes que chegam à cidade. É sede da associação Terra de Todos, fundada com o impulso de Margarida Torres, socióloga de 67 anos, reformada desde 2023, após anos de trabalho na Câmara de Viana, em prol da integração dos imigrantes.
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Atualmente, com cerca de 300 sócios de 35 nacionalidades, a associação procura responder a todo o tipo de solicitações, mas a orientação jurídica, prestada pela especialista em direito das migrações, Tânia Alves, em regime de voluntariado, é uma das principais valências. Tem cada vez mais procura, porque os serviços da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) estão entupidos.
No dia desta reportagem, quando a equipa da Terra de Todos chegou ao mercado municipal, já tinha à porta, Carmen de 60 anos e a nora Rebeca de 30, ambas da Venezuela. A mais velha, enfermeira reformada, espera há três anos para conseguir agendar atendimento na AIMA.
"Tem sido muito, muito difícil o agendamento com eles. A caixa de correio sempre cheia. Queria saber que possibilidade tenho de fazer o agendamento para pedir residência", queixou-se, explicando a sua condição: "Vim para cá porque a minha filha estava grávida. Tenho quatro filhos. Um estava em Miami e outro no Chile, mas agora já estão todos cá. Reformei-me, os meus pais morreram e vim com os filhos e cuidar dos netos. Tenho quatro, dois deles pequeninos. Cuido deles".
Segundo a jurista, para aquela avó, "existe um artigo que prevê possibilidade de fazer um reagrupamento familiar, que é o artigo 15. Veio para Portugal para dar apoio aos filhos e aos netos, tem rendimentos para cá ficar porque a família suporta financeiramente, e um dos membros da família já tem o cartão de cidadão, portanto existe essa possibilidade", afirma, lembrando, no entanto, que, face ao entupimento dos serviços, o único caminho que resta a Carmen é o tribunal. "Só consegue ser atendido pela AIMA quem tem ação judicial, porque o juiz obriga", refere.
Carmen lamenta-se: "Não tenho acesso à saúde pública. Fui a uma consulta particular e pedi análises, mas disseram que não. Sou diabética, hipertensa e há três anos que não faço controle".
Até ajudam a preencher o IRS
Tânia Quinta, afirma que este é o principal problema de quem chega ao país. "Os casos são todos iguais, só muda o artigo. No fundo, a maior problemática é o agendamento na AIMA, porque os serviços não conseguem dar reposta ao número de imigrantes que chegaram a Portugal nos últimos anos. Temos sempre gente aqui", disse.
A AIMA atualizou, esta semana, os dados, revelando que, no final de 2024, viviam em Portugal, 1,6 milhões de imigrantes, quatro vezes mais do que em 2017. Em Viana do Castelo, os últimos dados revelam que residem naquele município cerca de oito mil, de 86 nacionalidades e um apátrida.
Margarida conhece bem esta realidade. Quando, em 2014, o antigo Alto Comissariado para as Migrações lançou, lançou o desafio dos Planos Municipais para a Integração de Imigrantes (PMII), coordenou a elaboração de um dos primeiros 19 planos do país.
"Viana do Castelo está muito preparada. Foi uma das cidades da primeira geração de Planos Municipais para a Integração de Migrantes em Portugal", recorda a socióloga, que os estrangeiros conhecem, através do passa-palavra, e procuram para pedir ajuda.
Foi o caso do atual presidente da Terra de Todos, o venezuelano Ollantay Ferrer, engenheiro eletrónico, que veio há cinco anos para Portugal, com a mulher e dois filhos menores, e trabalha como chefe de turno numa fábrica em Viana do Castelo.
"É muito difícil sair da tua terra e emigrar para outro país. O nosso processo não foi fácil e ficamos sensibilizados com a possibilidade de através desta associação, ajudar todos aqueles que estão a sair dos seus países", considera, referindo: "Orientamos a 100 por cento, documentação, procura de habitação e trabalho, apoio jurídico, psicológico e social, aulas de inglês, interação social, vestuário, acessórios de cozinha, roupa de cama, tudo. Tivemos uma sessão com uma contabilista a ajudar a fazer o IRS, vamos fazer outra de literacia financeira. A ideia da associação é complementar o trabalho que faz a Câmara", conclui.
É preciso mudar a mentalidade da população
Margarida Torres, afirma que, no que toca à imigração, "a parte da legalização dos documentos e das políticas do Governo para acolher é o pior, porque os processos estão muito demorados. Mas entende-se por que é que estão demorados: Portugal não estava preparado para receber tantos imigrantes", diz, considerando que "é necessário melhorar os serviços e fazer campanhas de sensibilização da comunidade, porque o que passa dos imigrantes é sempre negativo. É preciso mudar a mentalidade das pessoas para se abrirem mais e acolherem melhor".