O Porto está a poucos dias de celebrar, após dois anos de vazio, a mítica noite de São João. Os martelos e manjericos, que dão cor, som e cheiro ao festejo, são produzidos atempadamente por empresários que vivem "tempos de insegurança". O mercado chinês de balões de ar quente engoliu o típico do Porto, que praticamente não se vê à venda.
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Joaquim Araújo, o maior produtor nacional de manjericos, "há cerca de 30 anos", em Pedrouços, teve este ano cerca de 40 mil plantas encomendadas.
Num "ano espetacular em vendas e qualidade de produção", Joaquim partilha o trabalho que ninguém vê: "É todo manual e cada planta é cuidada de forma individual. Começámos a semear em abril e até à noite de São João não paramos".
"Os manjericos são um trabalho muito forçado", refere Joaquim que teme o risco de se perder a produção a nível nacional: "Não está fácil ter pessoas para dar continuidade a isto. Dormimos cerca de quatro horas diárias em junho e os mais jovens não querem envolver-se ", declarou o produtor.
Maria Sousa, que trabalha com Joaquim na produção dos manjericos e é responsável pelos vasos, partilha que apesar de não terem parado por completo, o "bichinho (covid-19) foi um pandemónio e assustou muita gente". Nessa altura, vendeu metade dos manjericos.
Ele e Alexandrina Araújo contam, porém, que depois de um ano de produção fazem "questão de ir sempre dar uma volta ao Porto na noite" são-joanina e afirmam "conhecer" se os manjericos são seus: "O nosso é mais apertadinho e justinho. É por causa da semente", conta Joaquim.
Martelos com 101 anos
A Bruplast, fábrica dedicada ao brinquedo, em Alfena, é responsável por produzir outra das tradições mais ouvidas e sentidas na grande noitada: os martelinhos de S. João, outra área que anda a perder para o mercado chinês. "O homem que fazia os balões de ar quente fechou", exemplifica Júlio Penela sobre a "instabilidade" que as tradições atravessam: "É uma tristeza saber que agora temos de ir a uma loja de origem chinesa para ter algo que tínhamos nosso. Devíamos ser mais ajudados".
Com uma história de 101 anos e agora nas mãos de Júlio Penela, o negócio familiar distribuiu este ano cerca de 10 mil unidades, um "ano mais fraco porque as pessoas não quiseram encomendar demasiados pelo aumento dos casos de covid-19. Antes não era preciso anunciar as festividades, mas a pandemia instaurou muita incerteza nas empresas", garantiu o empresário.
Aliás, os martelos de Júlio não chegaram a ser produzidos nos dois anos passados: "O que nos ajudou foi a venda de material industrial, como frascos de desinfetantes", contou o responsável da empresa.
Responsáveis pela produção das tradições da noite de São João, Júlio Penela sente "responsabilidade em fazer as pessoas felizes". O sentimento mistura-se com o gozo de "levar marteladas do próprio trabalho que fez meses atrás".
O filho Bruno, a quem Júlio incute a continuação do negócio tem o próprio nome marcado nos milhares de martelos. A trabalhar com o pai desde 2014, o descendente chega a brincar com as pessoas e pede martelos como se fossem os dele: "Às vezes vou dizendo "tem de me dar um martelo", e as pessoas têm reações engraçadas quando sabem que sou um dos produtores".