Habitantes de Pedrógão Grande acham valor excessivo. Arquiteto Souto de Moura acredita que lago vai salvar muitas vidas quando houver fogos.
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O investimento de 1,8 milhões de euros na construção do memorial às vítimas dos incêndios de 2017 gerou mal-estar entre os habitantes de Pedrógão Grande, que consideram o valor muito elevado, tendo em conta que ainda há casas e barracões por recuperar. Autor do projeto, Souto de Moura defende que a intervenção é fundamental para combater os fogos, pois os bombeiros podem abastecer-se de água no lago.
O arquiteto explica que a obra implicará o corte da montanha, a realização de um furo profundo e a criação de um lago, após a impermeabilização do terreno com uma tela, sobre a qual serão depositadas terra e pedras. Será construído ainda um aqueduto para projetar a água sobre o lago e um memorial com os nomes das 118 vítimas dos fogos de junho e outubro de 2017.
"O preço é geografia. O importante é arranjar água para que não volte a haver incêndios nem mortos", justifica Souto Moura. "Basta ver os eucaliptos com dez ou 15 metros de altura. Sem água e num verão quente, é inevitável que haja incêndios", acrescenta. "Vai salvar-se a vida a muita gente naquele depósito de água", acredita o arquiteto, que não cobrou honorários pelo projeto, em homenagem a uma colaboradora que perdeu a vida no incêndio.
Quando o valor da obra começou a circular entre os habitantes de Pedrógão Grande, a indignação instalou-se. "Acho um exagero", reage Ermelinda Nunes. Residente em Adega, aldeia junto a Nodeirinho, a reformada lembra ao JN os barracões agrícolas e as casas de segunda habitação que ficaram por reconstruir. "Disseram que iam ajudar, mas não ajudaram nada. Há tanta gente a precisar de apoio e de comida", denuncia.
território abandonado
"Há tanta gente necessitada", confirma Maria de Fátima Miguel, que reparte o seu tempo entre a Amadora e Nodeirinho, onde comprou uma casa há 14 anos. "A gente põe uma coisa na terra e não desenvolve nada. Temos de comprar tudo", observa. "Pagar tanto dinheiro por um memorial não tem cabimento nenhum", diz. "Há tanta gente que ficou sem casa. Isto está tudo abandonado", acusa a reformada.
Morador em Pobrais, a poucos metros do local onde vai ser construído o memorial, Rui Martins concorda com a obra. "Só nesta localidade morreram 11 pessoas no incêndio", recorda, duas das quais o filho e a nora. "Vai levar uma pedra com o nome de todas e vai servir de abastecimento aos bombeiros", afirma. Além disso, destaca a requalificação da estrada 236-1, onde morreram muitas pessoas encurraladas nos carros. Confiante de que a obra vai avançar, o reformado diz que os proprietários "deram os terrenos praticamente à borla".
Anterior vice-presidente da Associação das Vítimas dos Incêndios de Pedrógão Grande (AVIPG), João Ângelo conta que a intervenção foi aprovada, apesar de se desconhecer o custo. "Gasta-se muito dinheiro mal gasto em tantas coisas", comenta. "É uma obra bonita para homenagear todos os entes perdidos. Eu perdi a minha sogra, o marido dela, um cunhado e uma cunhada", revela. "As pessoas que a contestam deviam pôr-se na pele dos outros".