Tanto ameaçaram e depois ninguém cumpriu. Os pais de Poiares andaram semanas a prometer que não deixavam ir os filhos para os novos centros escolares na cidade da Régua e, ontem, na prova dos nove, o resultado foi zero. Ninguém ficou em casa.
Corpo do artigo
A manhã pôs-se mesmo a jeito para o finca-pé prometido. Farrusca, cheia de nevoeiro, fresquinha. Mas às oito horas já havia na escola primária local oito alunos e respectivos pais ou mães. E o autocarro, à porta. Um dos seis que a Câmara comprou para assegurar os transportes das aldeias para a cidade.
Um quarto de hora depois, o motorista Vítor Melo pôs a viatura a trabalhar e houve muitos beijos. Pais a despedir-se dos filhos, enquanto estes se iam acomodando aos bancos do autocarro. Um abraço mais forte. “Ai mãe, que ainda me vais matar!”, queixava-se um. E não faltaram conselhos: “Porta-te bem Tiago, ouviste?”, “Raquel, cuidado com a rede. Olha o que a mãe disse em casa!”.
Houve lágrimas. O motorista: “Vá, ninguém chora”. E Maria Benedita Silva: “As crianças vão de carro, vão todas contentes”. “Para eles isto é novidade, não é”, comentava Maria Paula, mãe de uma criança de nove anos. Uma das que não cumpriu a ameaça. “Ora, que é que quer que eu faça? Diga-me lá, vou prejudicar a minha filha? Se não deixo hoje vai amanhã, ou depois...” “Não a deixavas ir e pronto”, gritou-lhe Maria Bendita, ainda zangada porque a montanha tinha parido um rato. “Nada, a decisão está tomada não há volta dar. Tem que ir, vai!”, tornava Maria Paula, acrescentando: “Vai contra a minha vontade? Vai. Estou aflita? Estou, mas pronto...” E chorou. “Vá, eles ficam bem. Vão ser bem entregues. Em termos de escola é do melhor. Isto é o futuro!”, afiançou-lhe Vítor Melo, a preparar-se para recolher outros miúdos.
O autocarro arrancou e Maria Benedita, viúva, lá explicou porque a sua alma estava da cor do tempo. Que criou ali os sete filhos. Que estão todos emigrados e que um deles lhe disse que a mulher e os dois filhos gémeos ficavam a viver com ela. “Porque queria que tivessem cá escola. Fecharam-na e agora o meu filho disse que se era para irem para a Régua então preferia tê-los na Suíça.
Quer dizer... agora que eu tinha a companhia dos meus netinhos voltei a ficar sozinha. O senhor presidente não podia fazer isto”.
O senhor presidente é Nuno Gonçalves, autarca reguense que está de “consciência tranquila”. “Satisfeito” por os pais de Poiares terem mudado a opinião depois de uma visita à nova escola. “Percebo as angústias”, salientou, convencido que “o tempo é bom conselheiro” e há-de encarregar-se de lhes fazer ver que “esta é a melhor solução para os filhos”.
Os protestos ficavam para trás. Os trinta e tal alunos da escola de Poiares desceram à Régua para estrear o novo Centro Escolar da Alameda. Este e o das Alagoas passam a juntar 900 crianças do pré-escolar e primeiro ciclo. O presidente deixou que fosse Margarida, de três anos, e Maria Celeste, de seis, a puxar a bandeira que cobria a placa comemorativa. Envergonhadas elas, babadas as mães.