Os moradores do Bairro Adriano Leandro, em Torre de Moncorvo, recusam-se a sair das casas onde vivem há mais de meio século. O Município tem previsto para o local um projeto de construção e beneficiação destinado "à habitação social", segundo o presidente da Câmara, Nuno Gonçalves.
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Um dos mais taxativos é João Rodrigues. "Vim morar para cá há 60 anos. Já gastei muito dinheiro para melhorar a casa que nem tinha água", conta o idoso, argumentando que o bairro foi construído e doado por Adriano Leandro para benefício dos carenciados e que existem documentos, datados de 1964, a que o JN teve acesso, onde se lê que as casas são "atribuídas a título precário e gratuito aos pobres e necessitados".
A vizinha, Clara, com mais de 80 anos, não sabe ler e nem sabe o que deve fazer. "Estou à espera", confessa.
O bairro foi doado ao antigo Hospital de Moncorvo, que passou para a alçada da Santa Casa da Misericórdia de Torre de Moncorvo em 1962. "Administra as casas desde essa data", indica o provedor, Fernando Gil.
Casas vendidas por 70 mil euros
A IPSS passou a ser proprietária do bairro por meio de uma escritura por usucapião, lavrada em fevereiro de 2021. Entretanto, vendeu as casas ao Município por 70 mil euros.
A transação suscita dúvidas aos moradores e a um grupo de cidadãos de Moncorvo, que questionam a legalidade do negócio, até pelas ligações familiares entre o provedor e o presidente da Câmara - sogro e genro - e por não ter sido tido em conta o direito de preferência dos moradores.
"Não tenho conhecimento que alguma entidade tenha posto em causa a legalidade da venda. Se alguém considerar que foi uma ilegalidade existem organismos próprios para repor a legalidade", afirmou Fernando Gil, explicando que só três casas estão ocupadas. "Nenhum ocupante pagava qualquer renda e só um tinha autorização para a habitar. Não tenho conhecimento de qualquer despejo", garantiu.
Bairro foi doado por benemérito
O JN teve acesso a vários depósitos bancários por parte de um morador, a favor da Santa Casa, para pagamento da renda de vários meses entre 2017 e 2022, "por recusa do senhorio em receber".
O bairro foi inaugurado em 1961 e doado por Adriano Leandro, um benemérito de Moncorvo, para uso dos pobres. Foi entregue ao antigo Hospital Rainha D. Amélia, que o passou para as mãos da Santa Casa de Misericórdia por despacho do Ministro da Saúde e Assistência, em 1962.
As casas são antigas, não tinham água, e as obras que foram feitas em algumas, decorreram por conta dos moradores. O JN teve acesso a vários documentos comprovativos do pagamento das rendas durante várias décadas.