Sem o apoio dos deputados no Parlamento quanto à criminalização do consumo de droga na via pública, e perante o cenário que se vive na Pasteleira e outras zonas do Porto, o autarca Rui Moreira diz ser preciso "ter uma lata muito descarada" para afirmar que a descriminalização "é um sucesso" e garantiu ainda que "ninguém dá lições" ao Porto sobre esta matéria.
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Vários deputados no Parlamento recusaram, na semana passada, a proposta de recomendação da Câmara do Porto para criminalizar o consumo de droga. Perante a reação dos partidos, desde o PS, PSD, BE e PCP, o autarca portuense, Rui Moreira, deixa um desafio: "Se acham que está tudo bem, que tenham coragem de vir cá dizer às pessoas que está. Não está. Não posso conformar-me com aquela situação".
"É muito fácil estar no Parlamento e não compreender qual é o drama que aquelas pessoas vivem. Como vou lá muitas vezes, sei muito bem o que se passa", nota o presidente da Câmara do Porto, acrescentando que "hoje o Parlamento tem uma constituição, tal como a Câmara. Amanhã terá outra. Pode ser que as pessoas voltem a pensar no assunto".
O Município promete continuar a intervir e, "se necessário", realizar operações como a que foi realizada a 6 de janeiro no bairro da Pasteleira. E esclareceu: "Quando se criminaliza, não é para castigar ninguém. Não há ninguém que esteja mais castigado do que um toxicodependente. A criminalização é para proteger uns dos outros. Há uma população, ali, que precisa de ser protegida. E há, ali, a lei do mais forte, e o mais forte é o tráfico. O tráfico é à vista desarmada. E se os senhores deputados acham que a polícia pode fazer mais, então que mandem fazer. Eu não mando na polícia".
"É preciso ter uma lata muito descarada"
"Uma das tendas deste acampamento [na Pasteleira] era fornecida pelos traficantes. Não tinha lá ninguém a viver. Era uma sala de chuto. Se isto é permitido, perceba qual é a reação da população local, que sente isto todos os dias. Não só as que lá vivem, como as que lá trabalham", afirma Rui Moreira. Aliás, de acordo com o autarca, "os trabalhadores do Lidl, à noite, saem pelas traseiras e têm sido perseguidos, ameaçados, incomodados" e "a Mercadona já disse que quer fechar aquele supermercado".
Quanto aos toxicodependentes retirados da Pasteleira a 6 de janeiro, o Hospital Joaquim Urbano tinha capacidade "para alojar todas as pessoas que lá estavam", garante o presidente da Câmara do Porto. "Só seis quiseram. As outras pessoas eram de sítios distantes. Das 28, só seis quiseram. Dessas, só estão lá quatro", avança Rui Moreira, dando nota de que "não é assim tão fácil" resolver o problema. Propõe, por isso, um maior acompanhamento, que passe por serviços de psiquiatria e de saúde, já que há "casos de tuberculose ativa".
"Essas pessoas resolvem sair de lá e andam por aí. Não há retaguarda para essas pessoas", critica o autarca. "Se querem encontrar soluções melhor do que a minha, digam. É preciso ter uma lata muito descarada para dizer que isto é um sucesso. Aqui não é", indigna-se.
"Ninguém nos dá lições nesta matéria"
"Mas isto questiona outra coisa: a Câmara do Porto está a trabalhar com as associações, - algumas das quais até já se pronunciaram sobre essa matéria e são livres para o fazer -, e está a trabalhar também na área da Saúde. Estive com o ministro Manuel Pizarro na sexta-feira e temos vários planos, nomeadamente para ampliar o Hospital Joaquim Urbano. A nossa previsão quanto às salas de consumo assistido, face ao sucesso desta, era ampliar a oferta. Mas só vale a pena ampliar a oferta se as pessoas poderem ser guiadas para lá. Ninguém nos dá lições nesta matéria".
Numa visita ao liceu francês, Rui Moreira diz ter ficado a saber que, antes de as crianças entrarem, os funcionários recolhem "material com sangue que é atirado para o interior da escola".
"A mesma coisa se passa nas Condominhas. Lá, a população preparava-se, inclusivamente, para tomar medidas. Não queremos vingadores na cidade. Se acham que está tudo bem, que tenham coragem de vir cá dizer às pessoas que está. Não está. Não posso conformar-me com aquela situação", assevera o presidente da Câmara do Porto.