Não é qualquer um que pode ser pauliteiro de Miranda, ao desembaraço para manobrar os paus é forçoso acrescentar um bom ouvido para a música e destreza de pés para tão exigentes coreografias que até implicam saltos.
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Não é só uma dança. É reminiscência de uma dança guerreira, dança de machos, que se catapultam em saltos no assalto ao castelo combatendo inimigos imaginários, numa coreografia de precisão cirúrgica para evitar ir ao chão. Os homens, todos ainda novos, do Grupo de Pauliteiro de Duas Igrejas, em Miranda do Douro, saltam com a mestria de trapezistas ensinados de terra idade.
É verdade que tal como a língua mirandesa também trazem a dança dos paus no sangue. Há depois o amor à camisola e à terra. Não é pauliteiro quem quer, só é pauliteiro quem pode. "Nem todos têm jeito", conta Maria Justina Moreira Gomes, 63 anos, porta-voz do grupo. Nem só da guerreira dança vivem os pauliteiros, há também a componente musical da gaita de foles mirandesa, a caixa de guerra e o bombo que se juntam aos oito dançadores obrigatórios (quatro guias e quatro peões), mais as danças mistas e os cantares mirandeses.
O "vou a Miranda ver os pauliteiros" entrou nos ditos da cultura popular local e nacional. Ninguém resiste pelo menos uma vez. Seja pelo inusitado dos mancebos vestidos de saia, chapéus adornados, lenços floridos e as camisas rendadas, indumentária estilizada ao longo do tempo, seja pela vivacidade das danças.
Os rapazes agora têm concorrência de raparigas que em busca da emancipação se igualam a eles nas danças e vestimentas. Mas não é a mesma coisa. "Respeito, mas gostar não gosto", confessa a porta-voz. A Duas Igrejas ainda não chegou tal modernice.
Os Pauliteiros de Duas Igrejas são o mais antigo grupo em atividade. Começou em Cércio, mas mudou-se para Duas Igrejas. As atuações remontam a 1945, quando o padre António Maria Mourinho levou alguns rapazes à Sociedade de Geografia de Lisboa para uma demonstração. "Foram muito aplaudidos. Isso deu--lhe o empurrão para continuar", contou Maria Justina. Mantêm-se fiéis à tradição do cancioneiro, a "bíblia" dos pauliteiros. São tão ciosos das suas coisas que muitos dos fatos ainda são os originais.
Perdeu-se nas brumas do tempo a origem desta dança guerreira, que alguns consideram ter vindo da Transilvânia ou que remontam às lutas greco-romanas. Desconhece--se há quantos séculos a dança resiste, mas nunca com tantas dificuldades como agora. Nem os pauliteiros passam incólumes ao despovoamento. "Os jovens vão estudar e trabalhar para fora e nem sempre é fácil manter o grupo", admitem. Os pauliteiros, que já mostraram a sua arte por Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Suíça, Itália , Angola, Canadá e Estados Unidos, são agora mistos, com rapazes de várias aldeias. Os da terra já não chegam.