Um homem de 37 anos sobreviveu a 19 horas no mar, entre Ovar e Aveiro, agarrado a uma balsa flutuante e sem colete. Foi avistado por acaso por pescadores de uma traineira de Matosinhos, que o resgataram. Os quatro homens que pescavam com ele desapareceram.
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Os cinco eram tripulantes do pequeno barco de recreio "Super Águia II", que naufragou por volta das 9.30 de domingo, ao largo do Furadouro (Ovar), a 13 milhas da costa, numa zona de pesca conhecida por "Galega", num dia de ventos muito fortes (rajadas de 65km/h) e mar revolto (vaga de 2,5 metros). Paulo Jorge Martins Teixeira, de 37 anos, natural de Esgueira (Aveiro), pai de um filho pequeno, viu afogarem-se os seus companheiros de pesca desportiva.
Dois deles, pai e filho, seguraram-se algumas horas à mesma balsa que permitiu que ele próprio se mantivesse a flutuar até ser avistado pelos pescadores da traineira "Camacinhos". O antigo mestre da traineira, Francisco Pereira "Camacinhos", estava a bordo e foi um dos que tiraram do mar Paulo Teixeira, gelado, exausto e com uma história trágica para contar.
Visto por mero acaso
Eram 4.15 horas da madrugada de ontem quando os vinte tripulantes da "Camacinhos", propriedade de Francisco e do seu filho, faziam a faina ao largo de Aveiro, a cerca de 10 milhas de terra em frente a S. Jacinto. "Foi visto por mero acaso", contou o mestre Francisco ao JN."A tripulação começou aos gritos 'Homem ao mar, homem ao mar!' e eu, que estava na casa das máquinas, pensei que fosse um dos meus".
Era Paulo, que passou diante deles, a flutuar dentro da balsa. Os pescadores baixaram a lancha salva-vidas, recolheram-no, tiraram-lhe a roupa, viram que não tinha colete, vestiram-lhe roupa seca da tripulação, aconchegaram-no na casa das máquinas, deram-lhe água. "Estava muito, muito cansado", contou Francisco, 53 anos, 40 de pescador, alguns salvamentos no currículo, nenhum como este.
Ficaram a saber que os cinco pescadores do "Super Águia II" deram com água a entrar no barco duas vezes, a primeira na casa das máquinas. "Controlaram a situação e continuaram a faina. Da segunda vez, quando se aperceberam, já tinham o barco inundado de água e foi um para cada lado", contou Francisco "Camacinhos".
Paulo Teixeira viu dois companheiros desaparecer imediatamente no mar. Um deles era António Martins Carrancho, 52 anos, proprietários de talhos em Oliveira do Bairro e Anadia, a quem nasceu um neto no dia da tragédia (ver texto ao lado). O outro desaparecido, Pedro Rodrigues Neves, 51 anos, de Pampilhosa do Botão (Mealhada), tem dois filhos, de 7 e 15 anos, trabalhava na fábrica Cinca. António Carrancho era dono da embarcação onde os cinco planeavam passar um dia de pesca lúdica.
"Ninguém nos vem buscar"
Tinham saído às 6 horas de domingo da marina da Gafanha da Encarnação, Ílhavo, e naufragaram cerca de três horas e meia depois. Os outros dois tripulantes - Arlindo Costa, 48 anos, mecânico em Ancas (Anadia) e Luís Costa, 21 anos, pai e filho - agarraram-se também à balsa quando o barco afundou.
Paulo contou que Arlindo e Luís se começaram a soltar lentamente. Segundo relatou aos pescadores que o salvaram, Arlindo, o pai, resistiu até cerca do meio-dia; Luís aguentou mais tempo, até às 19 horas, altura em que se declarou desesperado. Paulo contou que Luís queria desistir. "Ninguém nos vem buscar, vamos morrer agora para não sofrer tanto", terá dito o jovem de 21 anos. E depois ter-se-á deixado ir no mar.
Paulo "aguentou-se porque estava com o corpo preso na balsa", afirmou Francisco "Camacinhos". Da traineira, o sobrevivente foi transferido para o salva-vidas "Nossa Senhora dos Navegantes" e levado para o hospital de Aveiro pelos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, em estado de hipotermia.
Quando chegou à lota de Aveiro, entrou na ambulância pelo seu próprio pé, o que impressionou o comandante da capitania, Coelho Gil. "Estar 19 horas dentro de água, com água fria, e estar tão bem, sem aparentar mazelas físicas físicas, é muito raro", disse ao JN. As causas do acidente estão por apurar, tendo-se iniciado entretanto um inquérito.