Filha de Agustina Bessa-Luís desiste de projeto cultural. Moradores contestam traçado que coloca a ponte junto das suas habitações.
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O anúncio feito há cerca de um mês pela Metro do Porto dos três projetos finalistas para a nova travessia do Douro deixou num verdadeiro sobressaltos os residentes da escarpa e da Rua do Gólgota, no Porto, onde os pilares e o tabuleiro da estrutura vão assentar. Uma área da cidade onde a pacatez reinou durante décadas, com os jardins de árvores exóticas, as hortas, as casas burguesas e a habitação popular numa harmonia que agora, segundo os moradores, é ameaçada pela nova travessia.
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Mónica Baldaque está debruçada no alto muro da casa onde a mãe, Agustina Bessa-Luís, viveu os últimos 50 anos. Contempla os Caminhos do Romântico que passam por ali em direção a Massarelos. Com 75 anos, não esconde a revolta. "Estou surpreendida e profundamente desencantada com a cidade. É uma decisão tomada por interesses sabe Deus quais. Acato, mas sinto-me revoltada", conta a museóloga, pintora e autora de vários livros, que cuidou durante três anos da mãe até ao falecimento da famosa escritora em junho de 2019.
Com a notícia da ponte, todo o projeto que estava a ser preparado para ali criar um espaço cultural, aberto à cidade e de consulta do acervo deixado por Agustina Bessa-Luís, palco para tertúlias e diálogos, foi suspenso. "A minha mãe sempre se opôs à criação de uma casa-museu e não faz sentido avançar com algo que requer sossego e não um metro e peões a passarem constantemente e a lançarem garrafas de plástico cá para dentro", explica. Antes de fechar o grande portão, Mónica Baldaque desabafa: "Isto é o desrespeito pelo esforço de uma mulher que tanto se dedicou ao país".
Em frente, os moradores de outra casa centenária encontram-se em sobressalto. "A minha família vive aqui há mais de cem anos e eu não quero uma ponte a passar em cima e a desvalorizar a minha casa". A frase é de John Graham, descendente dos primeiros escoceses que chegaram ao Douro e que para além do negócio do vinho do Porto criaram a Fábrica de Fiação e Tecidos da Boavista, mais conhecida por fábrica do Graham ou dos ingleses. A vizinha Nazaré Cunha vive ali há dois anos com o marido e os filhos. A casa restaurada vai agora ter as vistas para um viaduto. "Estou ainda com esperança que isto seja impugnado", diz, mal sabendo que horas depois uma providência cautelar de Adão da Fonseca seria tida em conta pelo tribunal que ordenou a interrupção do processo.