Debilitadas pelas batalhas que travam contra o cancro, Deolinda Oliveira e Judite Lopes não imaginavam, aos 60 e 80 anos, ver-se transformadas em peões no xadrez da especulação imobiliária, com cartas de despejo nas mãos e as vidas suspensas pelos prazos impostos para deixarem as respetivas casas, em Valongo e em Gaia.
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Com contratos celebrados ao abrigo do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que fixa termos para os vínculos, tornando-os precários, as inquilinas viram os senhorios opor-se à renovação dos arrendamentos. Apesar das idades, das doenças diagnosticadas e das incapacidades atestadas, de 60 e 70%. Em qualquer dos casos, os municípios alegam que não conseguem atribuir-lhes habitação social e, sendo despejadas, resta-lhes a resposta de emergência da Segurança Social.
“Aconteceu tudo ao mesmo tempo”, diz Deolinda, de voz e mãos trémulas: a travar uma batalha contra um cancro que a deixou incapacitada e ao qual foi operada em agosto passado, recebeu, no início de outubro, uma carta do senhorio a comunicar que tem de entregar, até final do próximo mês, a casa onde vive, em Valongo.
Ainda sem saber como resolver a situação ou para onde poderá ir viver, voltaria a ser operada em novembro. Mas, antes que tivesse tempo de encontrar alguma solução, o correio voltou a levar más notícias a Deolinda Oliveira, que tem 60 anos e teve de deixar de trabalhar quando foi operada, passando a viver com “200 euros do rendimento mínimo”. No início deste mês, chegou-lhe uma carta da Segurança Social a informar que a prestação social “vai ser renovada a partir de 1 de junho”, mas com um valor menor: 167 euros.
“O meu mundo desabou”
“Fui à Câmara fazer a inscrição para ter habitação social” quando me achei com forças”, conta Deolinda, que preencheu a candidatura no final de janeiro. “Quando uma pessoa fica doente, o mundo cai. Ainda por cima, moro sozinha; o meu mundo desabou”, confessa a sexagenária, que ainda não tem qualquer alternativa de habitação a curto prazo. “Na Câmara dizem que não têm casa. Tenho o atestado [multiusos], mas está muita gente à minha frente que também tem”, conta.
“Quando aluguei a casa, o senhorio disse que não fazia tenção de andar sempre a mudar de inquilino e, por isso, pensei que ia ficar aqui por muito tempo. Ao receber a carta de não renovação do contrato, perguntei-lhe se era por causa da renda ou se queria vender. Ele só disse que precisa da casa, e deu até junho para sair”, lamenta Deolinda Oliveira, que teme ter de deixar o cão Lobito, de grande porte, caso lhe seja atribuída uma habitação de pequenas dimensões.
Com o atestado médico de incapacidade multiusos nas mãos, que comprova uma “incapacidade de 60%”, e sem apoio familiar, está sem alternativas. “Peço ajuda a toda a gente. Vivo de caridade, porque 200 euros não dá para viver”, encolhe-se Deolinda, que necessita de “uma dieta específica”, devido à doença, e teve de pedir apoio alimentar.
Ao JN, a Câmara de Valongo esclarece que “ainda não existe previsão para o realojamento da munícipe”, que dispõe do “devido acompanhamento e orientação sociofamiliar, no âmbito da Medida de Proteção Social – Rendimento Social de Inserção por parte do Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social”. Invocando a “proteção de dados”, não presta mais informações sobre o processo de acompanhamento de Deolinda.