Dois anos depois, largos, praças e as ilhas e ruas das zonas mais castiças da cidade do Porto voltam a engalanar-se para festejar o S. João e receber os milhares de turistas esperados na noite de 23 para 24. A pressão imobiliária que se fez sentir nos últimos anos nas zonas mais centrais e históricas do Porto afastou moradores, mas o bairrismo não esmoreceu. Em locais como Miragaia ou Fontainhas, já se encomendaram as sardinhas e comprou-se o verde tinto. "Estamos de braços abertos para receber toda a gente", dizem.
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Na ilha do Galo Preto a tradição ainda é o que era. Ali, a especulação imobiliária ainda não bateu à porta e se há nesta ilha turistas são os que a visitam e procuram a Dona Quiterinha, a nonagenária que está sempre de olho no portão metálico pintado de preto à espera dos estrangeiros para lhes mostrar a minúscula casa. "O ambiente aqui dentro é de família. É uma ilha com muita gente e muitas famílias e toda a gente se une sempre, não só quando há festa. Por estes dias enfeita-se o interior e faz-se a cascata. Na noite de S. João assam-se as sardinhas e vai-se à Praça da Alegria e às Fontainhas para regressar à ilha onde o convívio é até ao amanhecer", explica Amândio Sandiares.
As fitas, as bandeirinhas e os balões de todas as cores e feitios enfeitam a estreita viela rodeada de pequenas casas. Amândio diz que, como uma grande parte dos moradores têm mais de 65 anos e como nasceram na ilha o senhorio não os pode despejar. "Não trocava isto por um bairro social, onde até teria medo de morar", acrescenta Amândio, que se despede, pois a mãe de 86 anos chama-o para almoçar.
Um pouco mais a baixo, na mesma Rua de S. Vítor, o entusiasmo não é o mesmo na ilha Grande. A correnteza de casas do lado direito destaca-se pelas fachadas todas iguais e pintadas alternadamente com diferentes e garridas cores. Aqui houve requalificação e o contraste é evidente com as habitações do lado esquerdo, ainda uma amálgama de estilos, de acrescentos e revestimentos antigos, com tanques de lavar roupa à porta e bacias de plástico penduradas.
Albina Lopes foi uma das contempladas com as obras e tem hoje "uma casa com maior conforto". Já não chove na cozinha por exemplo. Mas o que se ganhou em melhores condições perdeu-se em bairrismo e a ilha está despida de enfeites. Os moradores sentem-se intimidados em pendurar fitas e balões no renovado beiral do telhado. "São muito altos e as pessoas não estão para isso", justifica Bina como é conhecida. O lado requalificado alterna, casa sim casa não, com alojamento locais. "Gente nova é simpática. Acho que são estudantes", informa a moradora.
Sé Cheia de turistas
Até às Fontainhas, onde se encontram os carrosséis e os pavilhões de comes e bebes, a Rua de S. Vítor tem filas de bandeirinhas às cores. É um dos locais obrigatórios e dali até à Sé "é um saltinho". No Largo da Pena Ventosa a presença de turistas é forte, num subir e descer constante, de telemóvel em punho a registar cada pitoresco pormenor, como os bonecos e santos de barro pendurados nos muros da casa de Ângela Ventura.
Famílias inteiras vivem ainda aqui. "Na Sé, o povo é hospitaleiro. Pomos os fogareiros na rua e assamos as sardinhas e o entrecosto e mesmo os desconhecidos que passam são servidos", conta Lurdes Ventura, que recorda "os últimos dois anos, muitos difíceis e sem festa. "Aqui as ruas são estreitas e não passam carros e custou-nos imenso o isolamento", acrescenta a moradora.
Todos tentam "voltar à normalidade" dos tempos e dos festejos de outros tempos. "Antigamente, isto na Sé era um mundo! E não era só pelo S. João, era pelo Natal e noutras datas de festa", salienta Lurdes, que contesta o excessivo número de prédios que foram transformados em unidades hoteleiras.
Enchente em Miragaia
"Qualquer casa que fica de vago é logo para entrar em obras e ser alojamento local, o que rouba as oportunidades de alojamento para quem nasce aqui. A grande maioria dos jovens vai-se embora e assim perdem-se as tradições", acrescenta.
Ainda a meio gás estão os arranjos e preparativos em Miragaia, outro dos pontos obrigatórios da festa da grande noite do Porto. A Casa Mara, de Fernanda Martins e do marido, vai estar fechada na noite de 23, mostrando-se o casal agastado por não ter conseguido comprar o prédio ao senhorio. É o primeiro S. João sem festa em 40 anos. Mais animado está Manuel Santos da casa de pasto Flor da Alfândega que descreve que, "isto aqui fica uma confusão. Parecem formigas atrás do açúcar! Mas acaba por ser um impulso para o negócio que esteve mau durante a pandemia".
Pormenores
Descentralizado - A Câmara do Porto anunciou este ano um programa descentralizado, uma vez que o tradicional palco dos festejos, a Avenida dos Aliados, está em obras. Programa divide-se entre o Palácio de Cristal, o Largo Amor de Perdição (Cordoaria) e a Casa da Música.
Para todos os gostos - Pelas 20 horas, sobem ao palco no Palácio os Santos Noventeiros, Revenge of the 90"s, com as atuações de Romana, Saúl e Marante. No largo Amor de Perdição, pelas 22 horas, cantam Toy e José Malhoa. Cabe ao vianense Chico da Tina alegrar a festa, pelas 23.30, na Praça da Casa da Música.