António Coutinho, filho do construtor do "prédio maldito", em Viana do Castelo, fala das angústias que a polémica em torno da demolição do edifício tem causado.
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Fernando Coutinho, pai, nasceu em Barroselas, Viana do Castelo. Emigrou aos 18 anos para o Congo belga. Lá trabalhou como comerciante de peixe fresco e seco. Comprou a empresa do patrão. Deu-lhe o nome de "Maison Coutinho". Fez fortuna. Casou com Rosa, uma vianense, e teve dois filhos, António e João. Regressou nos anos 70 a Viana. Para viver perto dos sogros, construiu junto ao jardim. E assim nasceu a história do prédio mais imponente da cidade. Custou-lhe "132 500 contos". Morreu em 2010 sem ver fim à luta contra a demolição. Os filhos, médicos, renderam-se. Entregaram à VianaPolis as 20 frações que receberam de herança. Em entrevista ao JN, António Coutinho, 70 anos, filho, diz: "Aquele prédio enlameou o nome Coutinho. Não quero passar pelo que passou o meu pai".
Como tem vivido estes últimos acontecimentos no prédio?
Penso no meu pai todos os dias. É um sangramento constante. Não consigo esquecer. O meu pai viveu isto de uma maneira brutal. Morreu de vergonha nesta terra. Graças a Defensor Moura (presidente de Câmara do PS que deu início ao processo da demolição em 2000). Ele disse, uma altura, publicamente e por escrito, que o meu pai era um corrupto que tinha ganho a sua fortuna em África de maneira ilícita. Um homem que privou com ele em casa dele e da amizade dele, disse isto depois que começou a guerra.
O seu pai era amigo do então presidente de Câmara?
Naquele prédio moraram pessoas importantes da terra. O meu pai tinha gala em ter gente de qualidade ali a morar, um pouco para o ego dele, mas também pela imagem do edifício. Defensor Moura foi um deles. Tenho para mim que isto é uma vingança pessoal. Não sei qual, mas Defensor Moura e José Sócrates (ministro do Ambiente aquando do anúncio da demolição) são os pais desta indignidade. Para o atual presidente, José Maria Costa, isto foi uma herança.
Como é que foi o processo da construção?
O prédio tem 13 andares, mas não foi o meu pai que quis na altura. Achavam que os seis andares laterais tinham uma volumetria demasiado alta e tapavam a igreja por trás. Na Câmara, quiseram uma torre, que era símbolo de vitalidade e progresso. Nessa altura, como era um prédio que estava isolado, estavam programados outro mais atrás para equilibrar.
Esteve previsto outro "Coutinho"?
Sim. Acho que Coutinho tornou-se um termo pejorativo. Aquele prédio enlameou o nome do meu pai. O nome Coutinho está a ser utilizado depreciativamente devido a um prédio que é uma obra de arte. Podem não gostar dele, mas é. Não é nenhum mamarracho. É muito parecido com o edifício Avis, em Lisboa. Quando começarem a desfazê-lo vão ver de que é feita aquela construção. É dos prédios mais seguros de Portugal. Teve um grande arquiteto, Coimbra Brito, e foi a Engil que construiu. Tem uma sustentação em pedra de quase uns 20 metros abaixo. Nada o destrói. É pena que Viana queira que vá abaixo. Mas, para mim, vá abaixo ou fique de pé, é passado.
Porque é que diz que para si o prédio Coutinho é passado?
Porque ao chegar a um acordo com a Polis, com a Câmara de Viana do Castelo, estou a enterrá-lo. É o terceiro enterro que faço. Antes enterrei os meus pais. O meu pai disse que só saía dali morto, mas eu só se me puserem lá morto.
O meu pai desistiu do prédio e deixou-se morrer. Em seis meses foi-se. Morreu de vergonha
O que pensa dos moradores que ainda resistem?
São pessoas extraordinárias que estão a ser maltratadas por Viana do Castelo. Tiro-lhes o chapéu. É gente de grande qualidade que continua a lutar. As pessoas que estão lá, neste momento, estão lá deste o início. Houve gente de cá também, mas houve emigrantes que compraram com o labor do seu trabalho. Juntaram as suas economias e vieram para Portugal viver a reforma. O que eles fizeram só mostra o caráter deles. Sou solidário com eles, apesar de estar fora da luta. Admiro-os.
O António desistiu...
Tentei aguentar esta guerra o mais que pude. O gasto tornou-se insustentável. Tive que desistir por causa das minha filhas, senão, vão ser elas que vão tomar conta desta luta e eu não quero.
Em que momento é que toma a decisão, sabendo que o seu pai queria continuar a luta?
O meu pai disse sempre que só sairia dali morto, mas no fim da vida já não queria lutar mais pelo prédio. Dizia à minha mãe que estava a falhar porque não conseguia convencer as pessoas a deixar o prédio em paz. Já era um homem com uma profunda tristeza. Morreu em seis meses. Assisti à morte dele. E a minha mãe estava de tal maneira consumida por esta guerra que já não se importava. Queria sossego. Isto é uma guerra de David e Golias. Somos pequeninos para lutar contra. Nem temos capacidade económicas para continuar.
O acordo com a VianaPolis foi satisfatório?
Não há dinheiro que pague este sofrimento. Tentei e lutei para fazer o melhor acordo. Se me perguntarem se estou contente, não estou, mas se continuasse então perdia tudo. Mas devo dizer que oferecer o que estão a oferecer aos moradores não é admissível.
Como é que acha que esta luta vai acabar?
Sempre esperei que a luta ficasse resolvida com os meus pais e que eu não tivesse que participar nela. Participei, mas não quero, porque não quero que as minhas filhas venham a tomar o meu lugar. Já estou a ficar velho e não quero passar por aquilo que o meu pai passou.