Festas populares têm cada vez mais estrangeiros e já não vendem manjericos. Moradores de Alfama temem que tradição lisboeta desapareça.
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Com cada vez mais estrangeiros a viverem nos bairros típicos de Lisboa, moradores e vendedores temem que as tradições dos Santos Populares se percam. Os manjericos já não se vendem e há quem divida ginjinhas e cervejas para poupar dinheiro. Só dois participantes da Marcha de Alfama moram no bairro e os marchantes do Bairro Alto já vêm de Setúbal, Odivelas e Cacém.
Benvinda Santos olha para a sua banca de manjericos, em Alfama, desolada. "Não se vende nada. Os estrangeiros só querem beber ginjinha", reclama. Maria Costa ao perceber que este negócio já não estava a dar começou a vender a bebida mais típica dos Santos Populares. "Chegava a vender 3000 manjericos e agora nem cinco. Passei a vender também ginjinha", conta, enquanto alguns turistas perguntam às vendedoras o que simboliza a planta aromática. "Nem entendo o que eles dizem", desabafa Benvinda.
Alfredo Tavares, morador no bairro mais típico de Lisboa, viu muitos vizinhos serem despejados das suas casas, nos últimos anos, e a comemoração do Santo António já não lhe diz muito. "Uns morreram e outros saíram e já não vêm aos Santos. Já não se vê portugueses e eu não sei falar línguas. Sinto que a tradição está a perder-se", lamenta. Opinião partilhada por Goreti Branco, há 48 anos a trabalhar nos Santos. "Já não é como antigamente, de ano para ano vai morrendo. O bairro está a perder a alma e cada vez se fazem mais festas noutros onde não se faziam".
Cecília Tavares, vendedora de doces e salgados, sente o mesmo. "Isto está infestado de turistas e alguns estrangeiros que moram cá nem gostam das festas. Assim vai-se descaracterizando o bairro", critica. A irmã, Marília Rebelo, acredita que "daqui a uns anos é capaz de se perder a tradição, mas, para já, a gente não deixa isso acontecer".
Cerveja para três
Marilene Trindade, sentada no meio de dezenas de turistas nas escadas do Largo de São Miguel, procura informações no telemóvel sobre a festa que está a acontecer à sua frente. "É a primeira vez que venho ao Santo António. Estava em Portugal de férias e aconselharam-me a vir", diz a brasileira. Duas jovens inglesas também apanharam as festividades por acaso. "Ouvimos falar e viemos. Estou a gostar do sentido de comunidade", diz Lucy. "É muito autêntico, gosto dos locais", acrescenta Ella.
Raquel Chaves diz que "há muitos mais estrangeiros a virem aos Santos". "É uma diferença considerável. O bairro perdeu muita população e os portugueses que cá vêm pedem uma caneca de cerveja para dividirem por três", conta a vendedora. Judite Maria sente o mesmo: "Dividem uma ginga por cinco. Nunca me deram tanta moeda "preta" como este ano".
João Ramos, que comanda a marcha de Alfama, diz que "só dois marchantes vivem no bairro". "Há dez anos, 97% viviam cá. Hoje, a maioria dos que moram em Alfama não falam português", conta.
Vítor Silva, organizador da marcha do Bairro Alto, diz que os marchantes "já vêm de várias partes, como Setúbal, Cacém e Odivelas". Acredita, contudo, que "as marchas populares não morrem".