O Titan, histórico e gigantesco guindaste usado na construção do Porto de Leixões, em Matosinhos, está a ser montado no molhe sul. Vai ser visitável e terá iluminação à noite. O investimento da APDL - Administração dos Portos de Douro, Leixões e Viana do Castelo é de dois milhões de euros.
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Em Leixões, apertam-se enormes parafusos e ouve-se o tilintar das correias da grua que ergue cada peça no ar. E, da praia de Matosinhos, já se vê um pedaço de História a renascer: o velho Titan ganha corpo a cada dia, e a forma férrea do guindaste reconstruído já está desenhada no horizonte do molhe sul do porto de Leixões, cujas pedras basilares o portento de 400 toneladas ali depositou, uma por uma, no final do século XIX.
A lança, braço gigante que se estica vários metros adiante da base, já foi montada. Segmento por segmento. Os dois últimos foram unidos no solo - as zonas 6 e 7, na extremidade do guindaste, cada uma com mais de 10 toneladas - para depois serem erguidos. Na verdade, tudo ali é à escala titânica, e os pesos começam a contar-se em toneladas.
Corrosão
Mas o tamanho - o Titan tem 70 metros de comprimento e 13 de altura - e os milhares de quilos não foram a principal dificuldade na recuperação do histórico guindaste a vapor, que colapsou em abril de 2012, na explosão ocorrida quando estava a ser desmontado para que pudesse ser construído o terminal de cruzeiros.
"A parte mais complicada teve a ver com a recuperação dos órgãos mecânicos, que estavam muito corroídos e com muita salinidade entranhada. Tivemos de fazer um tratamento específico, daí a grande dificuldade e o desafio em recuperá-los", recorda Pedro Duarte, da empresa barcelense Mecwide, que está a executar a recuperação do Titan e fez a replicação dos componentes irrecuperáveis.
"80 a 90% [do esqueleto do guindaste] foi feito de novo, porque não era reaproveitável. Todas as peças foram replicadas através de modelos 3D", explica o engenheiro, indicando que apenas foi possível manter os órgãos mecânicos originais, como rodas dentadas e outras engrenagens ligadas ao movimento da máquina, feitas em aço vazado, mais resistente.
"Mas não deixa de ser o Titan", acautela o engenheiro Dantas da Rocha, da APDL - Administração dos Portos de Douro, Leixões e Viana do Castelo, lembrando que o guindaste "estava num estado de corrosão muito grande". Foi respeitado o traçado original, e elementos como os rebites usados no século XIX, que já não se aplicam atualmente, foram simulados.
O Titan que agora está a renascer no molhe sul - todo o processo pode ser seguido na página de Facebook "Titan o renascer" - ficará estático, mas visitável, estando a inauguração prevista para 18 de setembro, Dia do Porto de Leixões.
"Estamos a criar condições para que as pessoas possam visitá-lo", diz Luís Cunha, engenheiro da APDL responsável pelo projeto de recuperação do Titan, que representa um investimento de quase dois milhões de euros.
O presidente da APDL, Nuno Araújo, revela ainda que o guindaste "vai ficar visível durante a noite, através de iluminação, para que as pessoas possam vê-lo", e adianta que a Universidade Nova de Lisboa está a fazer um estudo sobre o estado do Titan do molhe norte, em Leça da Palmeira.
Joel Cleto, historiador
Sem os Titans, o porto de Leixões não tinha sido construído
O que torna o Titan tão especial e qual a importância de reconstruí-lo?
É muito especial para as pessoas de Matosinhos, de Leça da Palmeira e do Porto, que se habituaram, ao contemplar a paisagem portuária, a ver ali o perfil do Titan. É um elemento identitário e da memória, que diz muito às pessoas. A uma escala regional e nacional, é importante porque é um mecanismo que permitiu a construção da mais complexa obra de engenharia do século XIX no nosso país, que foi a edificação dos molhes. Sem os Titans, o Porto de Leixões não tinha sido construído, porque, naquela época, só se conseguia erguer os blocos de 50 toneladas que constituíram os molhes com a força daqueles mecanismos. Estamos a falar de algo que construiu o maior porto artificial do país, uma estrutura que viria a tornar-se crucial para a economia, particularmente do Norte. Por outro lado, há uma dimensão internacional, que tem a ver com o grande valor patrimonial do Titan. São os maiores guindastes construídos na época do vapor. São peças únicas no Mundo.
É importante recuperar também o Titan do molhe norte?
A questão do molhe norte é sensível. Embora ele esteja lá intacto e, aparentemente, podia parecer que estava bem melhor do que o Titan do molhe sul quando colapsou, a verdade é que o Titan do molhe norte está num péssimo estado. Está mesmo em cima do mar, que, não raras vezes, toca nele, e a corrosão é muito grande. Mas faz parte da memória, e a história do Titan é a história dos Titans. Desse ponto de vista, claro que o ideal seria conseguir preservar a memória dos Titans, fazendo a salvaguarda dos dois. Mas será um grande desafio.
Estamos a falar de exemplares únicos no mundo.
Sim, são únicos no mundo.
O que aconteceu aos restantes?
Outros foram desmantelados. Muita gente pensa que os Titans eram utilizados para carga e descarga dos navios, e não. Estes, foram usados para construir o Porto de Leixões, e fazer obras de conservação. Pontualmente, poderão ter servido para auxiliar na carga e descarga das embarcações, mas não foi esse o objetivo. Eles foram concebidos, enquanto guindastes, para construção. Noutros lugares do Mundo onde terão sido utilizados, eram desmontados quando concluídas as obras. E nalguns lugares onde se terão mantido, acabaram por desaparecer com os bombardeamentos das 1ª e 2ª guerras mundiais.
Que funções em concreto tiveram no porto de Leixões?
Uma função fundamental, porque os Titans foram avançando mar dentro e construindo os extensos molhes que formam a enseada portuária. Esses paredões foram construídos com blocos de granito de 50 toneladas e, para conseguir erguer esses blocos, transportá-los e depositá-los no mar, só mesmo com a força do ferro e do vapor que os Titans tinham. De outro modo, não teria sido possível construir o porto.