
Bernardo Queiroz, num encontro com orcas a 27 de setembro, ao largo da Fonte da Telha, em Almada, mas desta vez sem ataque
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Das 47 interações registadas no total do ano, 23 ocorreram em outubro. Veleiros saem menos para evitar situações que podem deixar prejuízos elevados.
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Os relatos de veleiros atacados por orcas ao largo da costa portuguesa estão a mudar o comportamento dos velejadores. Este mês, segundo os dados revelados ao JN pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), já houve 23 interações, praticamente metade das ocorridas desde janeiro (47). O número é, ainda assim, inferior ao total de todo o ano de 2021, quando houve 61 casos. Já em 2020, registaram-se 17.
Estes números comprovam que outubro é o mês mais perigoso para quem veleja, porque é quando as orcas atravessam a costa portuguesa no regresso ao Norte, depois de terem rumado ao Sul, entre março e agosto, desde a Galiza ao Estreito de Gibraltar, seguindo a migração do atum.
Não sair para o mar quando há avistamentos, navegar junto à costa, a uma profundidade inferior a 30 metros e estar atento aos avisos de rádios e publicações nas redes sociais sobre interações são as principais medidas tomadas pelos velejadores contactados pelo JN, que, progressivamente, têm adotado maiores precauções para evitar danos nas embarcações, cuja reparação, nomeadamente dos lemes, pode atingir os cinco mil euros.
Alguns dos "ataques" têm ocorrido na costa de Sesimbra e, por isso, a escola de vela do Clube Naval de Sesimbra tem cuidados extra durante as aulas para os inexperientes da vela. "Se há relato de ataques, não saímos da marina e quando o fazemos, as aulas são sempre junto à costa, a uma profundidade a que as orcas não aparecem", diz César Medalha Pratas, diretor da secção de vela.
O responsável não tem assistido a um decréscimo de interessados na vela devido às orcas, antes pelo contrário. "Desde a pandemia que temos tido mais interessados pela componente ecológica, porque a vela não polui o mar e isso significa muito para os praticantes", afirma.
Brincadeiras juvenis
A Orca Ibérica, que junta biólogos de Portugal, Espanha e França, chegou à conclusão que estes ataques são brincadeiras e espera que o comportamento termine a curto prazo, já que as responsáveis pelas interações são orcas juvenis que, "com o amadurecimento, podem deixar de brincar com os veleiros", diz Francisco Martinho, da Lisbon Dolphins.
"A estratégia de ataque das orcas é afogar a presa e isso não acontece com as interações que têm sido registadas", afirma. "Este é um hábito adquirido por poucas orcas, que gostam da perseguição. A primeira a fazer isto era a negra, depois juntaram-se a cinzenta e a branca. Hoje a negra já deixou de ser avistada. Esperamos que, com sorte, à medida que vão crescendo, deixem este tipo de comportamento e não o ensinem a outros animais".
A opinião é contrariada por Bernardo Queiroz, diretor do centro náutico Terra Incógnita, em Lisboa, que tem acompanhado as orcas desde antes do início das interações. "No início dos avistamentos havia três animais a interagir, hoje são mais de 20", diz o responsável, que colabora também com o Oceanário de Lisboa em estudos sobre o comportamento dos animais.
Pandemia influenciou
O velejador afirma que as orcas "têm um comportamento mais intimidatório e curioso que há uns anos" e lembra-se de acompanhar uma fêmea em 2017, que nesse ano estava calma, mas hoje está mais agitada.
Bernardo Queiroz considera que as interações não são ataques, mas como todo o cuidado é pouco, quando há avistamentos, a solução é "não sair para o mar". Acredita, por outro lado, que o aumento de interações está relacionado com o confinamento derivado da covid-19.
"Durante a pandemia não se podia sair de casa, logo não havia veleiros no mar. Quando voltaram a surgir, as orcas começaram a interagir com eles, como algo de estranho que apareceu", acrescenta.
Parar o motor e engrenar a marcha são as manobras aconselhadas
O ICNF e a Associação Naval de Lisboa (ANL) criaram um protocolo de segurança para o caso de interação de barcos com orcas. As duas entidades recomendam que, em caso de interações dos barcos com orcas, a tripulação "imobilize a embarcação e deixe o leme solto" ou "engate a marcha à ré e navegue assim durante o tempo considerado necessário, sem mudanças bruscas de direção".
Na opinião de Francisco Martinho, a manobra da marcha à ré não tem eficácia, e foi incluída nas recomendações "por pressão de velejadores". Mas lembra que esta "não surtiu efeito em várias situações".
Para Bernardo Queiroz, a marcha à ré não resulta quando é mal feita. "A manobra requer alguma destreza, é preciso imobilizar a embarcação por completo e realizar a manobra com o leme fixo, devagar e por algum período de tempo". E explica que, por vezes, "os velejadores acabam por andar aos círculos porque largam o leme e isso faz com que a manobra não seja eficaz".
Foi o lisboeta Marc Herminio que no ano passado aplicou pela primeira vez esta manobra para fugir a uma interação com cerca de 10 orcas em Gilbraltar. Desligou o motor, mas, perante a insistência do grupo numeroso de orcas a embater no veleiro, decidiu inverter a marcha da embarcação. "Um primeiro grupo dispersou, mas uma orca de grande porte voltou a perseguir-nos e trouxe mais quatro com ela. Esse grupo acabou também por nos abandonar". A verdade é que a manobra foi um sucesso e passou a ser difundida por grupos com o nome de Marc Herminio.

