Duas irmãs estiveram ventiladas nos cuidados intensivos e temeu-se o pior. Uma só voltou a casa 80 dias depois. A primeira a ser infetada foi a sobrinha enfermeira.
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Uma família de Fonte Arcada, Penafiel, viveu dias de angústia e medo. Ao todo cinco pessoas ficaram infetadas com a covid-19 e duas delas estiveram ventiladas nos cuidados intensivos. Valeu-lhes a esperança e os bons cuidados médicos. Todos sobreviveram. Agora dão a cara com um sorriso para lembrar que todo o cuidado é pouco: "Aqui correu bem, mas há casos em que não corre".
Foi logo em março que o "bicho", como lhe chamam os quatro irmãos e a sobrinha/filha, lhes entrou pela porta. Apesar de todos os equipamentos de proteção, e de não estar numa zona dedicada a doentes covid-19, Inês Sousa, enfermeira no Hospital de São João, no Porto, acabou infetada por uma paciente que só ao terceiro teste deu positivo.
As três tias, com as quais vive e foi criada, tinham alguns sintomas. "Começaram a ter febre, mas pensamos que era uma constipação. Nunca nos passou pela cabeça que fosse covid", explica a jovem de 29 anos. Quando soube que estava infetada, duas tias foram testadas, a outra já nem chegou a ser. O pai também ficou em quarentena e viria a demonstrar sintomas.
Seguiram-se internamentos. Mesmo com medicação e antigripais, Maria de Fátima Sousa, de 68 anos, "estava cada vez mais cansada e com falta de ar". "Quando liguei para o 112, os lábios começavam a ficar roxos e a saturação estava muito baixa", relata a enfermeira. Ficou logo internada e, no dia a seguir, foi para os cuidados intensivos onde esteve ventilada 22 dias. A irmã Júlia Sousa, de 55 anos, desmaiou e, com quadro clínico idêntico, foi também colocada em ventilação assistida nos cuidados intensivos por sete dias. Um dia mais tarde, foi Manuel Sousa, de 61 anos, que ficou internado com febre e falta de ar. Eram os três doentes de risco e a família temeu o pior.
Isoladas dois meses
Isoladas do mundo, em casa, só saindo para fazer testes, ficaram Inês e a tia Aurora Sousa, de 66 anos. Apesar dos sintomas mais leves, a tarefa não foi mais fácil. A ansiedade era grande. "Dizia muitas vezes: vão morrer as duas e não as vemos mais", lamenta Aurora, referindo-se às irmãs. "Ainda bem que não se chegou ao ponto de desligar ventiladores", comenta Inês. Agarraram-se ao telefone, para terem notícias, e uma à outra. "Estivemos fechadas dois meses para não contaminar ninguém", salientam.
Cá fora, a ligação era Fátima Soares, sobrinha que levava medicamentos e o que fosse preciso às que estavam em isolamento e a quem, diariamente, os médicos do Hospital Padre Américo, em Penafiel, davam o ponto da situação. Ouviu coisas como "é muito grave" ou "estão em estado crítico". "Era uma angústia muito grande. Preparei-me psicologicamente para o pior. Nunca pensei que íamos estar todos aqui hoje", garante. Júlia e Maria de Fátima sobreviveram, mas tiveram de reaprender a andar e de fazer fisioterapia. A primeira demorou 60 dias a voltar a casa, a segunda 80.
Inês Sousa guarda a culpa por as ter infetado. "Se não tivesse corrido bem, era um peso que ia carregar a minha vida toda", afirma a enfermeira. "As pessoas não ligam, mas isto é muito perigoso. Eu não desejo isto a ninguém. É um sofrimento muito grande", acrescenta Aurora.
Pormenores
Agradecimento
Fátima Soares agradece aos médicos e a todos os profissionais de saúde - do Hospital Padre Américo, do Hospital da Misericórdia de Paredes e dos Bombeiros de Paço de Sousa - que os assistiram e "foram incansáveis".
Voz gravada
"Se não fossem eles, as minhas tias não estavam cá hoje. Não lhes conheço o rosto, mas a voz de cada um dos médicos da equipa dos cuidados intensivos do hospital de Penafiel está gravada para sempre. Todos os dias lhes agradecia por estarem a pôr a vida em risco", acrescenta.