A luz que à hora de jantar se acende no interior de uma loja que parece desocupada é quase como uma metáfora para os holofotes que se têm ligado para mostrar a existência de lojas e garagens a funcionar como alojamentos clandestinos de imigrantes, mas também de portugueses. Agravado pelas dificuldades de suportar os preços das rendas, este é um fenómeno em crescimento, que era falado em Lisboa e no Porto, mas que agora também se dá a conhecer em Braga.
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António Vilaça, 54 anos, sabe bem o que isso é. Durante quase uma década, até há meio ano, dormiu em quartos, garagens e lojas de Braga, onde mesmo sem "condições mínimas" nem licenças lhe cobravam valores elevados. "O máximo que me pediram foi 300 euros, primeiro por um quarto numa casa onde estavam 10 pessoas e depois por uma loja, que partilhei com um colega. Tínhamos uma tábua de pladur a meio e dormíamos em colchões", conta.
Garante que recorria a estes alojamentos ilegais porque "não tinha dinheiro" para "uma casa em condições". "Tentei, mas era impossível estar num sítio em que precisava de pagar rendas adiantadas e ter fiadores. Tinha de me sujeitar ao que aparecia, tudo era melhor que dormir à chuva e ao frio", diz. Hoje, vive numa "verdadeira casa", juntamente com a nova companheira, o que lhe trouxe "estabilidade": "Se não tivesse saído daquela situação, não sei o que poderia ser de mim".
uma Questão de sobrevivência
Foi isso também que deu a António Vilaça a "calma" para abordar o assunto. "Infelizmente, isto está a agravar-se, porque a procura por casas é grande, a oferta é pouca e os preços são uma loucura. Há muita gente a aproveitar-se da desgraça dos outros", frisa.
Numa das ruas junto ao centro de Braga, António indica uma antiga loja onde morou durante meses. As luzes estão acesas, há gente no interior, mas os atuais "inquilinos" recusam abrir a porta. Essa será, aliás, uma atitude repetida naquele corredor, onde ninguém parece disposto a falar sobre esta realidade que, em Braga, abrange mais de 100 pessoas (ver caixa).
O resultado da abordagem só é diferente após algumas tentativas goradas, quando finalmente uma porta se abre, embora apenas alguns centímetros. O homem que a segura, com pouco mais de 30 anos, começa por dizer que não conhece quem viva "nessa situação", mas as lágrimas que lhe enchem os olhos denunciam-no, mais até do que os chinelos de quarto que tem calçados. "Ninguém quer viver em garagens ou em lojas, mas acaba por fazê-lo por causa do preço das rendas", diz, antes de fazer uma comparação com o período em que chegou a Portugal, em 2017, vindo do Brasil. "Nessa altura, pagava 270 euros num T3. Agora, a mesma casa custa 800 ou 900 euros. Fiquei desempregado, não tenho dinheiro para pagar isso. É uma questão de sobrevivência", vinca.
Câmara diz que há mais de 100 pessoas a viver nesta situação
Em Braga, segundo o presidente da Câmara, Ricardo Rio, há mais de uma centena de pessoas a viver em "situação ilegal" de habitação, quer em lojas, quer em garagens. "Sempre que o Município é informado de algum caso, sobretudo por denúncia, é feita a devida participação para efeitos contraordenacionais que visam culminar na reposição da legalidade urbanística", explica.
Acrescenta que, por vezes, "os ocupantes exibem contratos de arrendamento aos fiscais municipais, muitos deles com rendas abusivas". "Nesses casos, temos solicitado a intervenção da Autoridade Tributária", assegura. Neste momento, correm 20 processos nos serviços de fiscalização da Câmara.