Alegam que cursos são financiados com verbas do Estado e sentem-se enganados. Ministério da Educação tem duas investigações em curso.
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Os pais de uma aluna da Academia de Música de Vilar do Paraíso (AMVP), em Vila Nova de Gaia, exigem que esta escola devolva um total de 7885 euros pagos em propinas entre 2014 e 2018. Alega a família, numa ação judicial intentada no Tribunal gaiense, que a Direção da instituição cobrou mensalidades superiores a 150 euros, assim como quase 200 euros por cada matrícula, por cursos financiados pelo Estado.
O JN sabe que há mais encarregados de educação que se sentem enganados e que também estão a preparar processos judiciais. E o Ministério da Educação revela que a Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC) instaurou, entretanto, um processo disciplinar e um processo de inquérito.
A AMVP, escola de ensino vocacional artístico, recebeu mais de dois milhões de euros de fundos europeus e do Estado para lecionar cursos de música e de dança nos regimes integrado, articulado, supletivo e livre e garante que sempre cumpriu a lei.
No processo, consultado pelo JN, Rui Teixeira e Carla Capela recordam que matricularam, em 2014, a filha no 5.º ano de escolaridade, em regime integrado do curso básico de dança. Na ocasião, foram informados que o ensino era comparticipado por fundos europeus e que seria cobrada uma propina de frequência "muito reduzida". Contudo, aos 170 euros exigidos pela matrícula foi acrescentado o pagamento de uma mensalidade de 150 euros.
Ao longo dos anos, o valor foi aumentando e, no último ano letivo, os pais da aluna suportaram 195 euros pela matrícula e mais 195 euros por cada um dos dez meses de aulas.
Feitas as contas, esta família investiu 7885 euros na educação da filha. Dinheiro que agora exige que lhe seja devolvido, porque, justifica, "nunca foi contratada nenhuma atividade extracurricular" e a AMVP não poderia exigir o pagamento das aulas incluídas no programa curricular financiado pelo Estado.
"Como é evidente, não tendo [a aluna] sido inscrita em qualquer atividade extracurricular era absolutamente e legalmente proibida a exigência das mensalidades de frequência que lhe foram exigidas como contrapartida da frequência do curso", lê-se na ação judicial.
Nesse documento, os encarregados de educação pedem ainda a restituição dos 7885 euros que, dizem, a AMVP "estava legalmente impedida de receber".
Processo disciplinar na IGEC
Contactado pelo JN, o Ministério da Educação confirma que "nos cursos básicos e secundários em regime articulado e integrado que se encontrem abrangidos pelo contrato de patrocínio não pode ser exigida aos alunos qualquer participação financeira para frequência das disciplinas incluídas no currículo objeto de financiamento".
A mesma fonte explica, de igual modo, que a IGEC recebeu denúncia sobre a cobrança de propinas na AMVP e instaurou "um processo disciplinar em resultado de um processo de inquérito já concluído". Em curso está um outro processo de inquérito, também instruído pela IGEC, não havendo ainda conclusões.
Estado vai pagar mais de nove milhões em seis anos
Entre 2015 a 2018, o Estado investiu 177 milhões de euros no financiamento de 25 500 alunos que beneficiaram de contratos de patrocínio para o ensino de música e dança. Este valor subirá, entre 2018 e 2024, para 237 milhões de euros. O resultado do concurso foi conhecido durante o último verão e contemplou a AMVP com um montante máximo de mais de nove milhões de euros: 7,4 milhões para financiar 423 alunos integrados nos diferentes regimes de música e 1,7 milhões para o alunos de dança. A este valor, acrescem as quantias exigidas pela AMVP e que estão a ser alvo de contestação pelos pais dos alunos. Desde o ano letivo 2013/14, a AMVP foi financiada com mais de 2,5 milhões de euros. "No âmbito do procedimento concursal para a celebração de contratos de patrocínio 2018-2024, o candidato demonstrou que o corpo docente da AMVP é constituído por um total de 59 docentes", refere o Ministério da Educação ao JN.
Direção diz que "cumpre" a lei e fala em "ato oportunista"
"A AMVP cumpre escrupulosamente a lei", garante a direção da instituição. Ao JN, a Academia de Música de Vilar do Paraíso alega que a "legislação prevê a possibilidade de serem ministradas outras disciplinas que não figuram no plano mínimo obrigatório" e ainda o reforço de "de cargas horárias de disciplinas que figuram no plano curricular". O que a AMVP aproveita para delinear "um plano curricular que vai mais além do mínimo financiado pelo ME, por entender que só assim os seus alunos conseguirão uma formação de excelência nas áreas de ensino artístico a que se candidatam".
Ou seja, alega a AMVP, "as propinas pagas pelos alunos do ensino integrado e do ensino articulado estão relacionadas com vários outros componentes, os quais não beneficiam de apoio do Estado por via do contrato de patrocínio". Entre estes "componentes" estão, adianta, atividades curriculares como as disciplinas de "Educação para a Cidadania", "Estudo de Instrumento", "Aula de Instrumento" e "Educação Visual" (esta apenas no 3º ciclo) "que integram o projeto educativo da AMVP e que não são abrangidas pelo currículo financiado". "O projeto educativo da AMVP é, naturalmente, obrigatório para todos os alunos", frisa.
Ainda segundo a Academia de Música, atividades extracurriculares como encontros mensais de dança, ensaios para concertos, serviço de psicologia, sala de estudo e até as refeições diárias estavam integradas no preço das propinas pagas pelos alunos. Deste modo, a AMVP considera que a "ação judicial proposta e o interesse na eventual difusão e divulgação pública da mesma decorre de um ato oportunista" e "é totalmente desprovida de fundamento legal". O prazo para contestar em tribunal ainda decorre.
"Caráter facultativo"
Apesar destas explicações, Carla Capela e Rui Teixeira também recorrem à lei para sustentar "que a escola deveria oferecer aos encarregados de educação um currículo financiado gratuito e, complementarmente e se os pais o pretendessem, atividades extracurriculares que deveriam ser objeto de inscrição". "Acresce o facto de o horário letivo dos alunos ser coincidente com os tempos letivos" financiados, complementam.
Estes pais afirmam, ainda, que o novo regulamento da AMVP, aprovado em maio deste ano, ao contrário do que acontecia, já indica "o caráter facultativo das atividades de reforço curricular". "O atual preçário efetua a aludida separação entre o currículo financiado e as atividades de reforço curricular. Isto é, o currículo frequentado em anos anteriores pela nossa educanda é, neste momento, completamente gratuito", declaram.
Uma nota informativa enviada, em agosto pela AMVP avisa os pais que "os reforços de tempos letivos em algumas áreas disciplinares" são importantes para a formação integral dos alunos, mas "terão um caráter facultativo".
PORMENORES
40 anos
A Academia de Música de Vilar do Paraíso, em Gaia, tem 40 anos. Atualmente, com 850 alunos, tem novas instalações desde 2010.
Gestão familiar
A Academia de Música de Vilar do Paraíso foi criada por Hugo Berto Coelho que, juntamente com os filhos Luísa e Victor Hugo Coelho, integra a Direção Executiva da Academia, constituída em sociedade comercial por quotas.
Renda de milhares
Pai e filhos são ainda os sócios-gerentes da Paraíso das Artes - Investimentos, Lda., sociedade proprietária das instalações da instituição de ensino. A Academia paga uma renda na ordem das dezenas de milhares de euros mensais. Questionada pelo JN, a Direção recusou concretizar o valor que paga à empresa com os mesmos sócios.