São edifícios únicos, cheios de história, mas cujas dimensões e consequente valor de mercado têm contribuído para estarem ao abandono. Esta é a sina de alguns palacetes na Área Metropolitana do Porto, que aguardam por reabilitação.
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"A classificação, salvo raras exceções, não evita a degradação", alerta Francisco Queiroz, historiador de arte, sublinhando que este tipo de imóveis "serve um tipo de cliente específico, que quer edifícios com caráter, especiais; um tipo de clientes que, além de dinheiro, tem sensibilidade para os valores identitários, históricos e artísticos".
Porém, Francisco Queiroz chama a atenção para o facto de ser "relativamente comum que haja proprietários interessados em demolir os edifícios para maximizar o uso do solo e que contratam advogados para tentarem reverter a classificação, alegando, por exemplo, falhas nos requisitos de classificação ou no cumprimento de prazos processuais".
Por isso, de acordo com o especialista, "é comum ouvirem-se histórias de imóveis formalmente classificados há décadas que hoje até já nem existem e ninguém deu pela sua destruição ou completa ruína".
"Mas mesmo que desse por isso, a tutela não podia fazer grande coisa, pois o sistema é passivo a partir do momento em que a classificação é decretada: o proprietário tem de respeitar as condições impostas se quiser mexer no edifício, mas não é obrigado a mexer e, portanto, pode deixá-lo a degradar-se indefinidamente", acrescentou.
Espinho
Património Cultural
Ocupa um quarteirão (entre as ruas 26, 18, 15 e 19) no centro de Espinho e o que mais salta à vista é o seu elevado estado de degradação. Contactada pelo JN, fonte da Câmara confirmou que o imóvel se encontra "inventariado no Património Cultural do Município" desde 2016. Da autoria de José Alves Pereira da Silva, foi construído em 1928, por encomenda de Joaquim Alves Pena, abastado fazendeiro de café de S. Paulo (Brasil).
Em 2018, foi proposto o agravamento do IMI para o triplo em casos como este, mas a medida foi recusada na Assembleia Municipal. A Autarquia diz que notificou o dono do palacete para fazer obras.
Quando o Programa Estratégico da Reabilitação Urbana for aprovado, a Câmara refere que "terá direito de preferência sobre o imóvel, em caso de venda". Se o proprietário não fizer qualquer intervenção, a Câmara poderá tomar posse administrativa e executar as obras necessárias para a conservação do imóvel".
Gaia
Para "recuperar ou demolir"
As letras garrafais do anúncio da venda do palacete na Rua da Bélgica, em Gaia, despertam a curiosidade. O edifício tem um terreno com cerca de cinco mil m2 e está no mercado por 1,6 milhões. No anúncio é descrito que será "para recuperar ou demolir".
Fonte da Câmara de Gaia referiu que se trata de um edifício de 1926, com a designação "Conjunto de casas da Alumiara, inserido na categoria de proteção estrutural". Ou seja, "só será admitida a demolição total do edifício por razões excecionais de evidente interesse público ou por risco de ruína". Além de que "deverá salvaguardar-se os alinhamentos e a escala das frentes urbanas, assim como deverá ser preservada a imagem formal dos muros tradicionais e das vedações".
Gondomar
À venda por um milhão de euros
Na movimentada Rua Fernão Magalhães, no centro urbano de Rio Tinto, em Gondomar, o palacete e todo o jardim envolvente surgem como um verdadeiro paraíso. A construção do final do século XIX dá sinais de estar fechada há já algum tempo, mas ainda preserva sinais das suas vivências, como um baloiço no meio da grande área verde.
Segundo o JN apurou, terá sido sempre uma quinta particular e de, acordo com a Câmara, "não tem qualquer tipo de classificação".
O palacete de Rio Tinto também está à venda, por um milhão de euros.
Devíamos ter chegado ao edifício 10 a 20 anos antes
"O edifício é tão exuberante, que é impossível competir com ele". Foi esta a premissa que serviu como ponto de partida ao projeto de reabilitação do Palacete do Bonjardim, no Porto, a cargo do ateliê Floret Arquitectura. Segundo contou ao JN David Afonso, um dos sócios do gabinete, foram feitos "vários ensaios" até se chegar ao projeto final. "Um programa" que prevê para aquele local, na Rua de Bonjardim, "um hotel com 50 quartos, um restaurante, uma cafetaria, e um espaço de cowork".
A concretização do projeto implica a construção de "dois novos volumes", mas David ressalva que o objetivo será "mexer o mínimo possível". Tanto mais que "só não será restaurado aquilo que não for mesmo possível", assegurou.
Para o palacete estão pensadas as "funções mais nobres", como o restaurante e o espaço de cowork, e para os novos volumes uma cafetaria, num "arco espelhado" junto à entrada, e o hotel, nas traseiras, também ele a refletir o palacete.
"Intervenção cara"
A reabilitação deste imóvel de 1906, encomendado na altura ao engenheiro Rigaud Nogueira - autor de outros edifícios semelhantes na Rua de Santa Catarina e na Avenida da Boavista -, e que se encontrava fechado "desde os anos 90", deve-se a um investidor galego que comprou o imóvel há dois anos. É o proprietário de um parque de estacionamento em frente.
Com o processo de licenciamento "bastante avançado", David Afonso acredita que a obra possa arrancar no primeiro trimestre de 2021, devendo demorar "até dois anos". Por conta do avançado estado de degradação do imóvel, David admite que "será uma intervenção cara" e conclui: "Devíamos ter chegado ao edifício 10 a 20 anos antes".