Dulce Moreira, 58 anos, toma diariamente 16 comprimidos. Desde 2005 que a moradora do Bairro do Regado, no Porto, sofre de fibromialgia e a dor aguda tem-lhe tirado, ao longo dos anos, qualidade de vida, inibindo-a de trabalhar.
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A tal ponto que a antiga funcionária de uma agência de viagens, que também sofre de outras doenças, passa os dias na cama, sobrevivendo com 143,30 euros do rendimento social de inserção (RSI). Nos últimos nove anos, já foi a dez juntas médicas para requerer a reforma por invalidez, mas a Segurança Social indeferiu sempre os pedidos.
Contactado pelo JN, o Instituto da Segurança Social é perentório: "As deliberações dos peritos médicos são unânimes a concluir que a beneficiária não reúne as condições para a certificação de uma incapacidade permanente". O mesmo organismo acrescentou: "O direito à pensão de invalidez é reconhecido ao beneficiário que tenha incapacidade permanente, relativa ou absoluta, para o trabalho, de causa não profissional".
Relatório médico
Um relatório do médico que a acompanha desde 2012 sublinha a incapacidade de Dulce. No documento, datado de agosto de 2019, diz-se que a paciente sofre "de fibromialgia, de hipertensão arterial, de doença osteodegenerativa, de obesidade severa, dor crónica, de difícil controlo, além de distúrbio psiquiátrico, que contribuem para marcada limitação funcional, incapacidade para o desempenho laboral, condicionando também o relacionamento social".
Dulce, que é acompanhada no Serviço de Reumatologia do Hospital de S. João, no Porto, queixa-se ainda de quatro hérnias "não operáveis". Por isso, revolta-se com a recusa da Segurança Social.
"É ridículo uma pessoa que não pode fazer nada estar sujeita a isto!", desabafou ao JN. "As dores são tantas que já é impossível andar de transportes públicos", referiu, lembrando que na última vez que foi à junta médica, em Gaia, a mãe teve de lhe pagar os 50 euros da viagem de táxi.
Os dias de Dulce, que vive sozinha, são passados na cama. "É onde ainda me vou sentindo melhor. O sofá é muito baixo e começam logo a doer-me os joelhos".
Desde 2017, a mulher conta com apoio domiciliário da Obra Diocesana de Promoção Social, que todos os dias lhe leva as refeições, arruma a casa e ajuda no banho. É também graças à caridade de uma associação que tem os medicamentos pagos. "Recebo 143,30 euros do RSI. Se, depois de pagar as contas todas, me sobrarem cinco euros é um milagre", confessou.
Dulce passa aos 15 dias sem sair de casa e quando vai à rua "é para ir ver o correio". "A descer ainda vou bem, mas para subir até ao 4.o andar é um sacrifício". Tanto que a Câmara do Porto já lhe atribuiu um rés do chão, mas a moradora não consegue pagar a mudança.
Resposta
"Não reúne as condições para certificação"
Relativamente ao caso de Dulce Moreira, fonte do Instituto da Segurança Social confirma que a "beneficiária tem vindo a requerer sucessivamente a pensão de invalidez desde 2011, tendo sido convocada a várias comissões de verificação de incapacidade permanente".
Todavia, "as deliberações dos peritos são unânimes a concluir que a beneficiária não reúne as condições para certificação de uma incapacidade permanente". As deliberações tomadas pelos peritos "são baseadas em exame físico, informação clínica e elementos auxiliares de diagnóstico, comprovativos de incapacidade alegada". Do mesmo modo sublinhou que "os peritos médicos são profissionais de reputada experiência e idoneidade".
Dados
143,3 euros é o que Dulce recebe do RSI
Valor mensal que não chega para pagar todas as despesas inerentes ao seu estado de saúde. É uma associação que lhe paga a medicação.
Ajuda para mudança
Sem recursos financeiros, Dulce vai adiando a mudança de casa. A Domus Social já lhe facultou um rés do chão no mesmo bairro, mas a viver sozinha não consegue pagar os 25 euros/hora que lhe pedem pela mudança.