Casas criadas para albergar operários são remodeladas e usadas cada vez mais para alojamento local. Na Rua de S. Vítor, há críticas às rendas elevadas.
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As ilhas do Porto estão a mudar. Outrora erguidas para alojar os operários fabris, há muitas que hoje se reinventam para receber turistas. É o caso da "99 Colored Socks", uma antiga ilha na Rua de S. Vítor, no Bonfim. Foi comprada em ruínas há quatro anos pelo empresário José Galante. Ainda havia uma inquilina.
"As ilhas tiveram o seu tempo, a sua época. Esta estava em muito mau estado. Encontrámos ratos enormes", revelou o proprietário do novo alojamento local, apontando para o elevado estado de degradação da instalação elétrica e saneamento das habitações.
Do outro lado da Rua de S. Vítor, apontada como a artéria da cidade com mais ilhas, vive Maria Alice Ribeiro, desde os 20 anos. Na altura, casada e com três filhos nos braços, foi à procura de uma vida melhor, a fazer o que sempre soube: costurar. Hoje, com 78, vive numa casa cujas paredes foram tomadas pelo bolor. A degradação contrasta com o conforto e higiene que se antevê pelas obras na habitação fronteira. Tudo indica que dará lugar a outro alojamento local, afirmam os residentes.
Ilha do galo preto: rendas recentes custam 300 euros
Entre os moradores que temem que um despejo lhes bata à porta e os que anseiam por uma nova casa, está Gaspar Bernardo, um portuense de 50 anos que diz não trocar a sua habitação na ilha do Galo Preto "por nada".
"Não me vejo a ir para outro lado. Vivo aqui há 25 anos e adoro o ambiente. Somos uma família", descreve, garantindo as boas condições da sua casa e tecendo largos elogios ao senhorio.
A habitação anterior ficava na ilha ao lado, que acabou por ser comprada e agora serve estudantes e turistas. Quando se apercebeu da venda, Gaspar preferiu sair. "Esta ficou livre e a casa de banho é privada. Na outra era partilhada", recorda, mostrando-se disponível para comprar a habitação.
Sobre o aumento do turismo na zona, o morador desvaloriza e não acredita que, naquela ilha em concreto, o senhorio seja capaz de a vender. Todas as 33 casas estão ocupadas. Apesar de não ser o seu caso, Gaspar alerta para as rendas elevadas que se têm praticado naquela zona: "As casas quase não chegam a ficar livres porque aparece logo alguém. Mas depois as rendas já são 300 euros por mês".
Novo alojamento: conforto é palavra-chave
Um pouco abaixo da casa de Gaspar, a ilha do Padeiro desapareceu. Após uma renovação integral, o lote renasceu, de cara lavada, como alojamento local. O número 104 chama-se agora ilha d"Ouro e passar lá uma noite, de hoje para amanhã, por exemplo, através do Booking, custa 63 euros.
Mas Vinicius de Moraes, 31 anos, pagou 600 euros para ficar lá alojado até ao final do mês. "Na ilha aqui ao lado parece que estão a fazer o mesmo. Vai ser uma tendência aqui no Porto", prevê o brasileiro, que está a estudar engenharia aeroespacial na cidade. "Adorei o lugar, o design, tudo. Depois de ver o espaço, tinha de experimentar", confessa.
De acordo com vários moradores da rua, a ilha d"Ouro estava deserta, ao contrário da 99 Colored Socks, onde restava uma inquilina. Foi realojada noutra ilha na mesma rua por José Galante, que comprou lá uma habitação.
"O pai dela pediu-me para lhe revender a casa, porque a tinha comprado a bom preço e foi isso que fiz. Fizeram as obras e a casa ficou para ela", contou o empresário.
O número de casas no novo alojamento local manteve-se o mesmo. São nove e todas têm cozinha, quarto e casa de banho. Três são duplas e têm capacidade para receber seis pessoas.
"São para famílias", diz o proprietário, que demorou dois anos a terminar as obras e gastou 400 mil euros na requalificação. As casas de banho partilhadas transformaram-se num jardim com vista para a ponte do Infante.
Ilha 182: viver "com o coração nas mãos"
As obras começaram há três meses e o coração de Albina Lopes bate nervoso. De 61 anos, a moradora está na ilha 182 há sete e, apesar do contrato de arrendamento lhe dar segurança até junho de 2021, Albina afirma estar "sempre com o coração nas mãos". Na parede contígua à sua casa, as madeiras e o cimento sugerem que as habitações em breve serão para turistas.
"Apresentaram-me uma proposta para eu comprar a casa no ano passado. Mas não tenho dinheiro", lamenta.
A ilha tem dois proprietários e, do lado contrário ao de Albina, vive Maria Alice Ribeiro. "Entra chuva aqui dentro", afirma, apontando para o negro das paredes. À noite, quando se deita, "é mais frio do que lá fora", garante. Maria Alice assegura já ter pedido ao senhorio obras ou uma casa melhor. Das obras nada soube e, para mudar de casa, diz que passaria a pagar 300 euros.
O que diz a Câmara
"A estratégia de reabilitação destes núcleos urbanos passa pela capacitação dos proprietários em aceder ao Programa 1.º Direito. Este programa permite aos seus proprietários, desde que os moradores preencham os requisitos de elegibilidade do programa, o acesso a um financiamento não reembolsável até 50% das despesas elegíveis. Contudo, qualquer que seja a situação, o denominador comum e o elemento-chave será sempre a vontade do proprietário em reabilitar as habitações"