"Estão à espera que haja uma tragédia ou que o porto feche?", questiona Carlos Cruz, olhando, desolado, a enorme "praia" que se formou no interior do porto de pesca da Póvoa de Varzim.
Corpo do artigo
O assoreamento é "mais que evidente" e, todos os dias, alerta o presidente da Apropesca - Organização de Produtores da Pesca Artesanal, "põe em risco a vida de centenas de pescadores". O prometido plano plurianual de dragagens parou por falta de dinheiro e não há data para ser retomado. Há quatro portos do Norte e mais de dois mil pescadores afetados.
"A DGRM [Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos], para manter as boas condições de acessibilidade/navegabilidade aos portos de pesca, celebrou um contrato plurianual de dragagens de manutenção para os portos do Norte. Contudo, o orçamento de investimento da DGRM para o ano de 2023 sofreu um corte de cerca de quatro milhões de euros, o que coloca em causa a boa execução do contrato", afirma o diretor-geral, José Simão, num ofício enviado ao presidente da Docapesca, Sérgio Faias. Carlos Cruz garante que, à Apropesca, a DGRM nada diz.
No porto, a situação é "cada vez mais preocupante": a "praia" junto ao cais do gasóleo cresce todos os dias e já só permite o funcionamento de uma das duas bombas de abastecimento; o monte de areia tem cerca de três metros de altura (o equivalente à profundidade do porto com a maré baixa) e mais de 30 metros de diâmetro; e o acesso aos cais de acostagem está, a cada dia, mais estrangulado. "Os barcos maiores, com a maré baixa, já não passam e o banco de areia está a alastrar", diz Carlos Cruz.
Quem ali trabalha aponta ainda o dedo ao paredão de betão que protege a nova marina norte, construída pela Câmara em 2021. "É um obstáculo. Antes as areias iam ter ao fundo do porto. Agora, batem no betão, voltam para trás e ficam aqui no meio", garante. Num porto já com problemas de assoreamento, o paredão "só veio piorar".
"Aquando da colocação daquela contenção, a Docapesca fez um estudo e concluiu que nada tem a ver uma coisa com a outra, porque as areias vêm de fora para dentro. Não é o contrário", garantiu, ao JN, o presidente da Câmara da Póvoa, Aires Pereira.
Por executar
O plano plurianual de dragagens dos portos do Norte - Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Esposende e Vila Praia de Âncora - foi assinado em julho de 2021. O Ministério do Mar dizia que ia "agilizar processos" e deixar "o investimento garantido". Em três anos (2021-2023) seriam dragados 525 m3 de areia, por 3,4 milhões (+ IVA). 200 mil m3 eram na Póvoa. Em 2022, houve dragagem, mas os 75 mil m3 previstos para este ano já não serão executados. Por dragar estão ainda Vila Praia de Âncora (55 mil m3) e Vila do Conde (75 mil m3).
José Simão diz que a culpa é do corte orçamental e, por isso, novas dragagens previstas não há. A entidade gestora - a Docapesca - afirma que as dragagens são competência da DGRM, a quem reportou "a necessidade de intervenção".
Mais de uma dezena de barcos encostados há anos no cais
O último relatório da DGRM diz que, no porto de pesca da Póvoa, estão licenciadas 149 embarcações de pesca, mas, a trabalhar ali diariamente, não serão mais de 30. Ainda assim, por ano, o porto movimenta 1,2 milhões de toneladas de peixe e é, de longe, o mais importante dos quatro incluídos no plano de dragagens do Norte. Encostados ao cais poveiro há 11 barcos da pesca costeira e cinco da pesca local que há anos não vão ao mar. Não pagam pelo "estacionamento" e ocupam espaço que muitas vezes falta a outros barcos.