Projeto está a ser desenvolvido pelo Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, com sessões de grupo ou individuais, para que possam continuar a apoiar quem mais precisa.
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"Já estive em missões humanitárias mais sangrentas, nesta não vi uma gota de sangue, no entanto, esta foi a que me fez chorar mais vezes". O desabafo é de Miguel Carvalho, um voluntário que, ao longo dos últimos três meses, tem estado a ajudar o povo da Ucrânia, trazendo refugiados e levando apoio.
Desafiado, o Serviço de Psicologia do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS), em Penafiel, criou um programa "pioneiro" - o Grupo de Ajuda Mútua (GAM) - que visa dar resposta urgente a estes voluntários "que têm vindo a demonstrar uma fragilidade emocional crescente, principalmente por causa da empatia e sofrimento dos refugiados e a impotência perante os factos vivenciados". A meta é ajudá-los a recuperar "da exaustão e do desgaste emocional", permitindo que continuem a apoiar "quem mais precisa".
As sessões já arrancaram. Serão sobretudo de grupo, presenciais ou online, mas podem ser individuais, e visam prevenir o agravamento de quadros clínicos.
Há voluntários cansados, porque além das missões têm as suas famílias e empregos, há famílias que abriram portas a refugiados, muitos deles com traumas, e agora não sabem como atuar, há as barreiras da língua, e há a confrontação com situações marcantes. "Tudo isto pode levar a sentimentos de depressão, ansiedade, pânico, raiva, medo, desespero, culpa e impotência, entre outros, e à exaustão emocional", afirma Márcia Mendes, diretora do Serviço de Psicologia. "É preciso que o voluntário não se esqueça de si próprio. De cuidar da saúde física e mental", aconselham as profissionais do hospital.
Chorar às escondidas
Miguel Carvalho já tinha feito outras missões quando se juntou a amigos para ir ajudar o povo ucraniano. Ainda o continua a fazer, mas reconhece que estes três meses "parecem uma vida". Admite também que há "menos defesas" neste caso. "Ver milhares de pessoas a sair com sacos plásticos na mão e com crianças, desnorteadas e em estado de choque, com histórias iguais às nossas... deixa um sentimento de perplexidade e de impreparação. É alguém que perdeu tudo e veste as mesmas sapatilhas, tem o mesmo telemóvel que nós", dá como exemplo. "Chegamos a ter de nos refugiar atrás de um autocarro para chorar. É uma carga emocional muito pesada", explica.
"Há que perceber que os voluntários também são pessoas, são humanos. Muitas vezes há a frustração de querer ajudar e não conseguir. Estas sessões são muito importantes. Deviam ser mais regulares", concorda Nataliya Khmil, da Amizade - Associação de Imigrantes de Gondomar.
Realçando a importância de ensinar os voluntários a gerir as emoções, antes da partida e depois do regresso, Maria José, da Associação AMA a Vida e Associação Nova Dimensão, confirma que há situações difíceis de gerir: "Há o sentimento de impotência, do como vou resolver, e depois o partir e deixar as coisas a meio, sentir que deixamos as pessoas desprotegidas, porque passaram a ser família".
Gratuito
Programa para todo o país
Este apoio gratuito está, para já, a ser realizado por seis psicólogas do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (de forma voluntária), uma vez por mês. "Um voluntário vai encontrar pessoas destroçadas, empatizar com o sofrimento e isso causa desgaste", confirma Márcia Mendes. O programa de intervenção criado é para todo o país, com recurso ao online. "A principal questão será a exaustão emocional", acredita.