Trabalhadores lutam contra o anunciado encerramento da refinaria de Matosinhos. "Níveis de ansiedade muito elevados". Alertam que há produtos que Sines não faz, o que vai deixar o país dependente.
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A notícia caiu como uma bomba, a poucos dias da consoada, e entre os trabalhadores da refinaria da Galp em Matosinhos persiste um sem-fim de dúvidas à espera de resposta. A decisão de encerrar apanhou João Marinho de surpresa. Trabalha na fábrica de óleos base há quase duas décadas e não encontra "motivo" para a "destruição" do complexo industrial instalado em frente ao mar de Leça da Palmeira. Telmo Silva, César Martins e Carlos Cunha também buscam explicações. São quatro rostos entre as centenas de trabalhadores da Petrogal. Recusam baixar os braços e prometem lutar para reverter o fim da refinação no Norte. Até porque, alertam, há produtos fabricados em Matosinhos que não são produzidos em Sines.
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Para terça-feira (dia 12) está agendado um protesto. Ao JN, a Galp reiterou estar "a avaliar as soluções mais adequadas para os cerca de 400 colaboradores".
Estamos numa situação de grande desconforto, com os níveis de ansiedade muito elevados
"Entrar no ano novo com uma notícia destas é dramático. Estamos numa situação de grande desconforto, com os níveis de ansiedade muito elevados. Há colegas que não conseguem conter as lágrimas a trabalhar", contou Telmo Silva, do departamento de manutenção. Ao todo, a decisão afetará cerca de 400 funcionários da Petrogal e mais de mil empresas fornecedoras.
A trabalhar como operador de processo na fábrica de combustíveis, César Martins foi dispensado do serviço temporariamente em abril, quando a empresa suspendeu a produção em Matosinhos e Sines. Depois em outubro, quando a interrupção se fez apenas no Norte.
Primeiros sinais
As restantes fábricas do complexo de Matosinhos mantiveram-se a laborar normalmente. No entanto, segundo João Marinho, em novembro começaram a surgir os primeiros sinais de preocupação. "Alguns funcionários dos combustíveis foram transferidos para outras fábricas", contou, lembrando que, a par disso, ao longo dos anos, houve "sempre uma nuvem a pairar sobre o encerramento".
Há uma panóplia de produtos que saem para a indústria farmacêutica, cosmética, têxtil, alimentar e construção civil
Carlos Cunha confirma: "Tivemos duas situações mais apertadas, em 2001 e 2004, em que houve uma tentativa de fecho iminente destas instalações. Conseguiu-se reverter e estamos convencidos que vamos conseguir reverter esta. Temos de olhar para esta área industrial e ver que daqui não sai só gasolina e gasóleo. Há uma panóplia de produtos que saem para a indústria farmacêutica, cosmética, têxtil, alimentar e construção civil".
Valências que os trabalhadores garantem não existir em Sines. "A refinaria de Sines está só focada na produção de combustíveis. A partir de agora, quando quisermos asfaltar uma estrada, teremos de importar asfalto", revelou Telmo Silva.
Contactada pelo JN, a Galp explicou que "a refinaria de Sines produz principalmente gasolina, gasóleo, jet, naftas, fuel e GPL" e "irá manter a sua atividade como centro produtor dos combustíveis disponibilizados pelo aparelho refinador nacional". Em paralelo, estão a ser avaliados "investimentos que permitam à infraestrutura endereçar os desafios da transição energética". No que toca a Matosinhos, esclarece que as instalações servirão de parque logístico, garantido "a continuidade do abastecimento e fornecimento dos combustíveis". Admite ainda "empenhar-se em continuar a fornecer os demais produtos" atualmente comercializados, "em linha com as condições proporcionadas pelo mercado, salvaguardando as necessidades e os padrões de consumo".
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Ainda assim, Telmo Silva insiste: "Se Sines tiver um problema como já teve no passado, em que esteve cerca de dois meses parada devido a um foco de incêndio, as reservas territoriais vão começar a ser consumidas. Não teremos alternativa onde tratar o petróleo bruto em Portugal".
Economia local
Os quatro trabalhadores não se mostram contra a transição energética no país. Mas defendem a sua inclusão no processo. "Isto não é uma transição justa, é uma destruição injusta. Não sabemos o futuro, quais são as alternativas relativamente aos produtos ou quais os impactos para a economia e para as empresas que dependem da nossa produção", criticou João Marinho.
Para Carlos Cunha, a economia de Matosinhos - comércio, restauração e hotelaria - vai ressentir-se.
Caravana de protesto até à Câmara e plenário na rua
Uma caravana automóvel desde as instalações da refinaria até à Câmara de Matosinhos. É desta forma que os trabalhadores da petrolífera vão protestar, na terça-feira, contra o fim da refinação na Petrogal, em Leça da Palmeira. A ação, organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energias e Atividades do Ambiente do Norte e pelo Sindicato da Indústria e Comércio Petrolífero, surge na sequência "das decisões do plenário de trabalhadores". A manifestação terá a duração aproximada de uma hora e deverá terminar junto ao Paços do Concelho de Matosinhos, onde será realizado um plenário na rua.
"Às 15 horas, deverá sair de junto da refinaria, em Leça da Palmeira, uma caravana de motociclos e automóveis, em direção aos Paços do Concelho de Matosinhos", detalharam, em comunicado, os sindicatos.
Ao serviço do país
Na nota, é reiterado ainda que "os trabalhadores exigem à administração da Galp e ao Governo a reversão da decisão de encerramento" da Petrogal. Sublinhando que a refinaria de Matosinhos é essencial para o desenvolvimento da região e para a soberania do país, insiste-se que a Petrogal deve ser colocada ao serviço dos portugueses e de Portugal e não do grande capital.
"Defende-se, pelo contrário, o investimento em alternativas sustentáveis, em paralelo com a atividade existente, no caminho da transição energética justa e socialmente sustentável", lê-se no documento ao qual o JN teve acesso.
Uma polémica com vários intervenientes
Decisão
Após ter tomado a decisão de fechar a refinaria de Matosinhos, a 18 de dezembro a administração da Galp informou o primeiro-ministro, António Costa. Três dias depois, a decisão é publicada no site da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.</p>
Câmara
No dia em que foi anunciada a intenção de encerrar a Petrogal, a presidente da Câmara de Matosinhos exigiu saber qual o destino que a Galp pretende dar aos terrenos. Uma semana depois, Luísa Salgueiro afirmou ao JN que "não permitirá a instalação de uma refinaria de lítio na Petrogal, por ter um impacto poluente". A intenção foi negada por José Carlos Silva, da administração da Galp.</p>
Lítio
O JN sabe que a reconversão da Petrogal para uma refinaria de lítio é uma hipótese que vem sendo trabalhada há vários meses, em negociações que têm contado com o aval do ministro do Ambiente, Matos Fernandes, e do secretário de Estado da Energia, João Galamba. O jornal Eco noticiou mesmo que já havia acordo com a empresa sueca Northvolt, o que viria a ser negado pela Galp.>
Governo
O Ministério do Ambiente mostrou-se preocupado com o destino dos trabalhadores. Em comunicado a 21 de dezembro, explicou que a decisão surge no âmbito de um "processo de transformação nacional e internacional do setor energético, visando, de forma geral, a sua descarbonização". Anteontem, o ministro reuniu com os trabalhadores, que saíram do encontro sem respostas.
Estudo
Um estudo sobre o fecho da Petrogal, do economista Eugénio Rosa, demonstrou que, entre 2003 e 2019, a Galp distribuiu mais de cinco mil milhões de dividendos pelos principais acionistas da empresa. O especialista destaca ainda que a Galp, "em plena pandemia (março/novembro de 2019), aumentou os preços dos combustíveis mais do que o verificado nos países da União Europeia". Entre os acionistas está o Estado português. Tem a segunda maior participação, 7,48%, só superada pela Amorim Energia BV (Amorim + Sonangol).