As aulas à distância começam esta segunda-feira, mas Eliana Fernandes, 12 anos, já sabe bem que nem tudo estará operacional para poder acompanhar as lições a partir de casa em Martin, aldeia incrustada na serra da Nogueira, em Bragança.
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As aulas vão depender dos humores da Internet, com sinal muito fraco e lento na localidade. Nada melhorou desde o ensino à distância no ano passado. "Quando tiver Internet, vejo as aulas e falo com os professores; quando não tiver, estudo sozinha. A Internet está sempre a "crashar"", contou a aluna do 6.º ano que até gosta das aulas em casa porque não precisa de madrugar como quando vai para a Escola Paulo Quintela, em Bragança, e acorda pouco depois das 6 horas para apanhar dois autocarros. "É difícil a vida dos alunos da aldeia", desabafa a mãe.
Elza Fernandes, 46 anos, é proprietária de um rebanho de cabras. "Se vai para escola, levanta-se muito cedo e regressa tarde. Se fica em casa, na aldeia quase não há sinal de Internet nem de telemóvel. Fica sempre prejudicada", observa a mãe, preocupada com as repercussões de tanta mudança na aprendizagem da filha. Eliana admite que há dias que "as coisas se complicam" e não consegue participar nas aulas. "Da outra vez tinha de estudar pelos livros. Os meus colegas mandavam-me a matéria pelo telemóvel por um grupo no Facebook", contou.
A família aderiu a um pacote da NOS no ano passado, na primeira fase do ensino à distância, para a pequena poder estudar. "Não tínhamos computador, mas o primo tinha um e deu-lho. Se estiver mau tempo, quando a Eliana está a assistir às aulas, pede-nos para desligar os telemóveis porque a Internet falha. Quando não há sinal, não tem escola", esclarece Elza, que pôs de parte o reforço da Internet por ser caro. "Tinha de pagar mais 20 euros. Já pago 66", explicou.
As dificuldades de acesso à Internet não são exclusivas de Martin: há centenas de aldeias nas zonas rurais nas mesmas circunstâncias. Em Vilar de Lomba, no concelho de Vinhais, 14 alunos estão dependentes da velocidade da net. "Muitos têm Internet em casa, mas é muito lenta e não dá para trabalhar. Já falamos com a Junta de Freguesia e estamos à espera de hotspots que funcionem melhor", referiu Isabel Pais, mãe de um aluno. Também há estudantes sem computador, como sucede com as irmãs Joana e Daniela Pires, primas de Eliana, também de Martin.
Usa o Teams no telemóvel
Aos 11 anos, Joana é uma rapariga desenrascada. Não tem computador, mas instalou o Microsoft Teams - a aplicação sala de aula online e remota - no telemóvel e vai tentar acompanhar as aulas. Como os professores lhe disseram que lhe vão telefonar, aproveitará essas alturas para tirar todas as dúvidas. No ano passado, trabalhou com um computador dos que o município forneceu à escola Paulo Quintela, mas desta vez ainda não lho entregaram. "No final do ano devolvi-o. Vamos ver como é que corre. Quando está mau tempo, muito vento ou chuva, há pouca rede", explica Joana, que também gosta do ensino à distância porque não precisa de acordar cedo.
Menos conformada com a falta de computador está a irmã mais nova, Daniela, 7 anos, que gostava de ter um: anda no 2.ºano e gosta de aprender. "A professora (Escola 1.º Ciclo Rebordãos) telefonou à minha mãe a dizer que me iam enviar um, mas ainda não chegou", explicou a menina.
Sem computador e sem saber como vão decorrer as aulas estão Zhivko e Vanzelin Gadjev, dois irmãos búlgaros de 8 e 6 anos, que vivem em Parada, Alfândega da Fé. No ano passado, estudaram sem meios informáticos, mas a Junta de Freguesia entregava as fichas de trabalho e fazia a respetiva recolha. "Não sabemos como vai ser este ano", admite o pai, Nayden Gadjev. O diretor do Agrupamento de Escolas de Alfândega da Fé, José Monteiro, adiantou que os dois alunos estão referenciados como não tendo material informático, pelo que terão um ensino misto na escola e em casa.