O presidente da Câmara do Porto defendeu, esta sexta-feira, ser necessário alterar a lei relativa ao consumo de estupefacientes na via pública e destacou que o acampamento de toxicodependentes nas proximidades do bairro da Pasteleira "demonstra que o Estado falhou".
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"Estamos a viver num território em que se demonstra que o Estado falhou", afirmou, esta sexta-feira, o autarca Rui Moreira, após uma operação policial de combate ao tráfico e consumo de droga na Pasteleira, no Porto, onde foram removidas, de um jardim público, 18 tendas e retirados 26 toxicodependentes. Seis destas pessoas aceitaram mudar-se para o Hospital Joaquim Urbano, onde ficarão alojadas, com o apoio da Câmara do Porto.
"Intervenções da Câmara do Porto neste território, desde 2020, estamos a falar de 10 mil operações que aqui fizemos, com intervenção da Polícia Municipal e dos serviços municipais, no sentido de garantir que o espaço público está disponível, que é utilizado por todos e que há condições de salubridade", referiu, no final da intervenção policial. "Ao longo destes anos limpamos 400 toneladas de detritos, ligados ao consumo e ao tráfico", acrescentou.
"O que nos preocupa principalmente é que estamos a viver num território em que se demonstra que o Estado falhou. Há uma falha do Estado. Essa falha tem a ver com a falta de acompanhamento de uma situação de índole pública, que tem uma componente social, mas sobretudo de tráfico, que faz com que as pessoas que aqui vivem não tenham o mínimo de condições de segurança", salientou.
"Aquilo que a Câmara faz no âmbito das suas competências - não temos competências na área da proteção e segurança quanto ao tráfico, isso é com a Administração Interna, a PSP e a PJ -, é a garantia da tranquilidade dos cidadãos no espaço público. Naquilo que pudermos fazer, vamos continuar a fazer", assegurou.
Para Rui Moreira, esta realidade é um atentado ao pudor: "Continuo a não me conformar que possa haver no espaço público o consumo de drogas pesadas, nomeadamente injetáveis. Considero que é um atentado ao pudor. Têm de ser pesados os direitos das pessoas e das crianças. Pela minha parte tudo farei, dentro do que está ao meu alcance e no limite da legalidade, no sentido de promover a tranquilidade dos cidadãos que aqui vivem. Mora e trabalha aqui muita gente".
"Têm de limpar do recreio objetos com sangue"
A Escola das Condominhas, ao lado do jardim, foi outra preocupação: "Há uma escola ao lado, em que os professores nos contam e nos relatam que, de manhã, têm de limpar o recreio de objetos que têm sangue. Estamos a falar de uma situação que não é tolerável. Temos que fazer o que está ao nosso alcance".
Ainda acerca das pessoas retiradas esta sexta-feira, voltou a sublinhar a ação da Câmara e a criticar o papel do Estado. "Propomos às pessoas, se assim o entenderem, que têm recuo no Hospital Joaquim Urbano. Chamo a atenção que essa é uma resposta da Câmara do Porto. Esta é uma competência que compete a quem? Compete à Saúde e à Segurança Social. Como sabemos que essa resposta não existe, estamos a proporcionar às pessoas, se quiserem, alojamento no antigo Hospital Joaquim Urbano, em que temos um centro com quartos, alimentação, água quente e tudo mais", disse.
Acerca da sala de consumo assistido instalada também na Pasteleira, numa zona não muito distante do jardim agora limpo e que passará a estar vedado, lançou novas interrogações: "Montámos uma sala, na Pasteleira, que é uma resposta que a Câmara está a pagar, está em avaliação e que tem tido utentes. A questão fundamental é que se há quem pense que isso apenas faz o recentramento deste fenómeno, e se não há medidas idênticas tomadas nem pelo Estado, nem pelos municípios vizinhos, começo a questionar se é uma resposta que vale a pena?"
"Se estamos a tentar resolver um problema e afinal ainda nos dizem que agrava o problema, pergunto se nós a devemos manter ou não? A verdade é que está a funcionar, tem cerca de 150 utentes, tem uma resposta integrada e acreditamos que é o tipo de resposta a dar", completou, referindo que "esta matéria tem várias componentes, uma componente de Saúde Pública, também social e outra securitária".
"Para estas pessoas [retiradas do jardim] temos vagas no Hospital Joaquim Urbano. O que não vão poder ter lá é o que encontramos na Pasteleira. Foi uma barraca que servia exclusivamente para chuto. Ou seja, não era uma barraca onde vivessem pessoas. Era uma sala de consumo, proporcionada pelo tráfico e pelos traficantes. A montagem disto não acontece por acaso. Estas pessoas não acampam junto aos traficantes. Os traficantes querem-nas nas proximidades e isso não vamos tolerar. O que não vamos tolerar no Joaquim Urbano é que as pessoas montem uma tenda para chutar para a veia", destacou.
Sobre a possibilidade de se mudarem para outro local do Porto, prometeu que o combate irá manter-se: "Iremos a esse sítio da cidade, sempre que for preciso. Não vamos permitir que o Estado se desinteresse deste problema".
"A PSP e a PJ fazem o seu papel. Não me compete a mim avaliar em termos de investigação ao crime organizado que aqui ocorre. Isto não é um crime organizado, mas resulta de um crime organizado. Esse trabalho tem de ser feito pelas entidades competentes. Isto que aqui assistimos são os danos colaterais de uma situação que tem sido permitida", declarou.
Rui Moreira defendeu uma alteração legislativa: "A meu ver, precisamos de fazer uma alteração à lei. Não quero criminalizar o consumo de droga, o que quero criminalizar é o consumo de droga na via pública que tem consequências sobre as crianças, os cidadãos e os trabalhadores da Câmara, que andam todos os dias a limpar isto e têm de lidar com matéria infetada. Estamos a falar de seringas".
O "inferno" do Aleixo
Ainda quanto à hipótese de os toxicodependentes da Pasteleira se mudarem para outra zona da cidade, foi lembrado o cenário antes vivido no Aleixo.
"Não podemos é fechar os olhos. Durante muito tempo aquilo que as pessoas pensavam, e como não passavam no Aleixo, era que o inferno ser ali não fazia mal porque viviam no paraíso. E isso não pode ser porque o inferno é sempre o inferno. E o que tem o Estado feito sobre isto? O que faz são políticas simplistas, muito simpáticas, diz que a Câmara deve montar uma sala, mas o que fez o Estado para a integração destas pessoas? O que é feito dos programas que havia antigamente?", questionou.
"Não vejo sinceramente que o Estado esteja presente. Portanto, é um Estado ausente, falhado. Nós falamos muitas vezes de países africanos e de estados falhados. E este é um território do Estado falhado. Não vamos esconder estas pessoas num sítio qualquer, porque também têm direitos. Também estamos preocupados com estas pessoas. Sabemos que há aqui prostituição juvenil e sabemos que a PSP sabe. Vamos permitir isto?", concluiu, sempre muito crítico.