Dezenas de consumidores de droga elogiam segurança e higiene do espaço na capital.
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As marcas arrepiantes que cobrem a quase totalidade dos braços de Cristopher contam uma história que o jovem de 28 anos preferia apagar. Há três anos, a morte da mãe e uma desilusão amorosa atiraram-no para a rua e para o vício, que começou por drogas fumadas, mas rapidamente passou para o consumo injetado. Vive na rua, na Baixa de Lisboa, mas prefere deslocar-se à zona ocidental da cidade, longe dos olhares repressores. "Aqui temos mais privacidade, não gosto que as pessoas vejam. Numa casa de banho pública, se temos algum problema, ficamos lá e morremos. Aqui ajudam logo", explica.
O alemão, há cinco anos em Portugal, chegou a viver em Alfama, trabalhou em restaurantes e telemarketing, e gostava de voltar à vida que tinha, desejo que lhe parece cada vez mais difícil de alcançar. Espera há um ano e meio por uma primeira consulta para integrar uma comunidade terapêutica. "Há muitas pessoas à minha frente. É muito tempo de espera, posso morrer", constata angustiado, enquanto fuma à entrada da sala de consumo assistido, depois de ter injetado heroína.
"Muita solidão"
Lá dentro, Tiago, 44 anos, limpa a mesa onde acabou de injetar a mesma droga em si próprio. A seguir, vai tomar banho, outra das valências do equipamento. "A higiene é fundamental. Quem perde a autoestima, perde a dignidade, e isso ainda não perdi", diz o toxicodependente, para quem este serviço é mais do que um lugar onde consome com condições de higiene. "Vivo na rua, sinto muita solidão, e aqui dão-me a compensação familiar que não tenho. Tive uma infância complicada, com muita violência, não vi nos meus pais um lugar seguro e de afeto", partilha.
Consumidor desde os 13 anos, admite que estranhou as primeiras vezes que entrou na sala de consumo. Mesas alinhadas e limpas, com separadores que não permitem que se vejam uns aos outros como na rua, e consumos sob o olhar atento de enfermeiros e técnicos psicossociais exigiram um processo de adaptação. "No início, metia-me confusão, claro, mas agora o que me mete confusão é consumir na rua", confessa. Ainda esteve uma década sem consumir, mas problemas familiares atiraram-no para a droga outra vez. "Não consegui mais deixar", admite.
Enquanto Tiago e outros utentes entram e saem discretamente da sala de consumo endovenoso, Vítor Lopes, técnico psicossocial, vai avisando os consumidores da sala envidraçada de consumo fumado, através de um intercomunicador, de que têm de sair. "Já passaram oito minutos e há várias pessoas para entrar", alerta. Cá fora, dezenas esperam pela sua vez.
Pormenores
Rastreios
Na sala de consumo assistido de Lisboa fazem-se rastreios e tratamentos à hepatite C. Uma pessoa que não é tratada pode desenvolver outras doenças e custar ao Estado cem mil euros, segundo um estudo da Ares do Pinhal.
Misturas
A sala de consumo tinha uma parceria com a Kosmicare, que verificava se as drogas vinham misturadas com outras substâncias, junções que aumentam o risco de overdose. Este serviço terminou por falta de financiamento.
Acompanhamento
A sala de consumo recebe pessoas com vários diagnósticos que precisam de acompanhamento psicológico prolongado, mas não o têm.