Primeiro equipamento de uso vigiado de drogas do país abriu há dois anos. Tem 2011 toxicodependentes inscritos e 160 utilizações diárias.
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A primeira sala fixa de consumo vigiado de drogas do país abriu, em Lisboa, há dois anos, para 200 utentes, mas já recebeu o décuplo. O equipamento, instalado na Quinta do Loureiro, em Alcântara, tem hoje 2011 toxicodependentes inscritos, uma média de 160 consumos diários, e evitou 42 mortes por overdose. O consumo na rua diminuiu, tendo sido retiradas 210 mil seringas da via pública. A sala de consumo de estupefacientes do Porto abriu há nove meses, no Bairro da Pasteleira [ler texto ao lado].
Beatriz Rodrigues, técnica psicossocial na sala de consumo de drogas de Lisboa, emociona-se ao recordar todas as vezes em que viu consumidores entre a vida e a morte. "Não é um trabalho fácil. É o peso de se ter uma vida nas mãos da equipa. A reversão de overdose mais complicada que tivemos durou 45 minutos. É muito bom vê-los a acordar", confessa. Roberta Reis, psicóloga e coordenadora técnica do Serviço de Apoio Integrado, diz que "todas as 42 overdoses foram revertidas com sucesso".
O crescimento dos utilizadores do espaço e o aumento de episódios de overdoses obrigaram ao reforço da equipa de enfermagem, mas "os recursos ainda são insuficientes", alerta Roberta Reis. "Desde o primeiro mês, o número de utentes ultrapassou muito aquilo de que estávamos à espera. Ainda não nos foi possível aumentar a equipa psicossocial, mas é necessário porque sofre um grande desgaste, é um trabalho muito exigente", frisa. Outra das "grandes limitações" é o espaço físico. "Precisávamos de mais para o consumo fumado, que é claramente insuficiente".
Processo longo
Reduzir os danos físicos causados após a partilha de seringas ou outros hábitos menos higiénicos e reduzir a transmissão de doenças são os principais objetivos das salas de consumo.
Os técnicos tentam "negociar" as quantidades de droga com os utentes, de forma a consumirem menos, mas só é tratado quem tem vontade de deixar a adição. Desde que a sala de consumo de Lisboa abriu, já foram encaminhadas 72 pessoas para acompanhamento terapêutico ou programas de metadona.
Roberta Reis avisa, contudo, que "o tempo de espera ronda os quatro meses ou mais". "É um processo longo para quem está numa situação muito frágil. Alguns acabam por desistir de esperar", lamenta.
A sala de consumo assistido de Lisboa, gerida pela associação Ares do Pinhal, já deveria estar a ser financiada em 80% pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). João Goulão, diretor do SICAD, diz ao JN que "o financiamento depende da dotação orçamental disponível" e, por isso, "solicitou à Direção-Geral do Orçamento, a 25 de maio de 2022, autorização para assunção de encargos plurianuais, que ainda não foi dada".
A Câmara de Lisboa confirmou ao JN que está a "assumir a 100% o financiamento do serviço em 32 mil euros mensais" há mais de um ano, desde março de 2022, de modo a evitar o seu "colapso". O Ministério da Saúde disse, esta semana, ao JN que "o procedimento de apoio financeiro à sala de consumo se encontra em tramitação, tendo já sido autorizado".