Estudo avalia impactos invisíveis da covid-19 em Gaia. Coordenador diz que é preciso aprender com o que foi bem feito e tirar lições para o futuro.
Corpo do artigo
O fim da pandemia já foi declarado pela Organização Mundial de Saúde, mas "ainda há questões pendentes que nos assombram". Esta é já uma das evidências do estudo do Instituto Padre António Vieira (IPAV), do qual o JN é parceiro, que está a investigar os impactos invisíveis da pandemia em Gaia. O objetivo é "transformar a experiência em conhecimento".
O estudo está agora na fase de tratamento da informação recolhida nos últimos oito meses, e mesmo que a publicação do documento final esteja prevista para setembro, já há algumas conclusões evidentes.
Desde logo, é preciso reforçar tudo o que foi motivo de sucesso na superação das adversidades da pandemia. Quem o diz é o diretor do IPAV, Rui Marques, que exemplifica com o trabalho "extraordinário do Hospital de Gaia": "É um caso de estudo muito importante para o futuro. Foram capazes de se adaptar muito bem, de ter uma grande capacidade de resposta face a um fenómeno completamente novo. É preciso pegar nesta experiência e transformá-la em conhecimento que nos sirva no futuro".
"Fantasmas"
Em Gaia, desde escolas a hospitais, foi claro que a comunidade reagiu de forma adequada às adversidades da pandemia. Mas Rui Marques sublinha que é preciso dar especial atenção aos "fantasmas" que se arrastam desde então, sobretudo os problemas ligados à saúde mental.
Entre as consequências negativas mais evidentes, como mortes ou agravamento do estado de saúde de muitas pessoas, é preciso perceber que "há impactos que não foram logo visíveis". Assim, entre crianças e jovens das escolas de Gaia, "o tema [da saúde mental] é muito sensível e precisa de especial atenção".
"É preciso desmistificar que os problemas limitaram-se a infeções respiratórias. É mais do que isso. Estamos a falar de ansiedade, depressão, perturbações no comportamento, que podem estar a aparecer agora, mas que são fruto da pandemia que começou há três anos", disse Rui Marques.
O rastro da pandemia ainda é marcante, e por isso há a necessidade de respostas ao nível da saúde mental, por parte das instituições e da comunidade.
Projeto "único"
A investigação foi proposta pela Câmara de Gaia e está nas mãos do IPAV, envolvendo a colaboração de mais de mil pessoas e de várias entidades do concelho. O diretor do instituto e coordenador da investigação destaca a preocupação do Município ao "encomendar um trabalho que será muito importante na construção de uma sociedade mais resiliente".
"É talvez o único projeto proposto por uma Autarquia que realmente se preocupou em entender os impactos invisíveis, que tantos se recusam a falar, e como podemos aprender e criar respostas sociais através deles", sublinha Rui Marques.
Colaboração do JN
O estudo é amplo e abrange vários domínios da sociedade, entre eles o papel da comunicação social.
Nesta área, a investigação conta com a colaboração do JN que, segundo o coordenador, foi fundamental para compreender como a cobertura mediática impactou a sociedade e como, no futuro, pode ser feito um trabalho rigoroso e objetivo, "num momento de grande stresse em que as redes sociais podem pesar na circulação de informação falsa".
Equilíbrio relacional
"Como é que as interações sociais e relações foram afetadas pela pandemia?". Esta é a questão central do estudo em curso que o Instituto Padre António Vieira está a desenvolver e que procura respostas sobre o rastro invisível da pandemia em Gaia e que lições podemos retirar dele, para a construção de uma "cidade relacional, resiliente e regeneradora".
O trabalho convocou várias perspetivas diferentes, entre cidadãos e protagonistas de instituições gaienses, através de inquéritos escritos, galerias de estímulos (sessões com visualização de imagens e conversas temáticas) ou entrevistas. "Todos tiveram um papel ativo e colaborativo", garante Rui Marques.
O trabalho recorreu ao Instituto Relacional de Barcelona, nomeadamente com a ajuda do diretor Joan Quintana Forns, que "guiou as equipas na recolha de informação e como estas deviam proceder junto de várias instituições e pessoas", explicou Rui Marques, acrescentado que este "é um investimento que pode ser aproveitado a nível nacional no futuro".