Pescadores conhecem os sustos à saída da barra da Figueira da Foz, onde no sábado morreram quatro amigos. O assoreamento dificulta a navegação.
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Passaram 14 anos e, na memória de Luís Dias, de 72, o tempo só amenizou a dor. Mas não fez esquecê-la. Nota-se bem nos seus olhos, quando recorda o dia 19 de março de 2007. Foi o único sobrevivente de um naufrágio que matou dois pescadores, no braço sul do rio Mondego, na Figueira da Foz. No rescaldo do acidente que no sábado matou quatro pescadores lúdicos, na mesma cidade, mas no mar, Luís diz que o trauma de não ter conseguido salvar os amigos "não sai nunca". "É como a guerra".
117 sinistros com embarcações foram registados no ano passado, dos quais resultaram 30 feridos e 97 ilesos, segundo a Marinha. Destes, 39 envolveram embarcações de pesca e 70 barcos de recreio. As restantes ocorrências dividem-se entre embarcações de comércio, tráfego local, auxiliar e desportivas.
"Estar a ver morrer duas pessoas, sem lhes poder valer, estão a ver a pancada que é", recorda Luís, conhecido por "Índio". E se não há um dia em que o naufrágio de que foi vítima lhe saia da cabeça, as recordações doem mais quando situações semelhantes se repetem. Como foi o caso de sábado, quando apenas um de cinco tripulantes da embarcação Seberino sobreviveu.
No domingo, no seio da comunidade piscatória da Cova-Gala, por muito que as vítimas do mais recente naufrágio não fossem dali - mas sim de Cernache (Coimbra) e de Condeixa-a-Nova -, ainda havia muitas questões por responder. E eram muitos os olhos que não descolavam do mar, que ainda não havia devolvido o barco. Na ordem do dia continuava, também, o "gravíssimo problema" - como o apelidou o presidente da Câmara, Santana Lopes, relacionado com o assoreamento à saída da barra do Porto da Figueira da Foz. "Há uma "cabeça de areia", a cerca de uns 500 ou 600 metros da barra. Com aquela areia ali amontoada, o mar parte muito. Já ali apanhei uns sustos valentes", garante António Almeida, pescador.
Apoio psicológico
"Antes de haver o prolongamento do molhe, a saída da barra era direito a oeste. Com uma vaga mais alta, à saída, ela batia na proa (dianteira) do barco. Agora, como é sudoeste, qualquer barco apanha sempre a vaga de lado. Se não tiver muita estabilidade, está sujeito a virar", explica João Gil, antigo tripulante de um rebocador e pescador. "Esta barra devia ter uma draga permanente, como outras têm", opina.
Segundo João Lourenço, comandante do Porto da Figueira da Foz, as causas do naufrágio do "Seberino" ainda estão "a ser investigadas".
Paulo Veríssimo, de 56 anos, o único sobrevivente, continuava internado, ontem, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, a evoluir favoravelmente e a ter acompanhamento psicológico, adiantou o hospital.
"O tempo ajuda a acalmar. Mas não cura tudo. Nem pensar", conclui, com conhecimento de causa, Luís Dias, que ainda aguarda o desfecho, em tribunal, do naufrágio que o obrigou a nadar até à margem e a deixar dois amigos para trás.